P. GARRIGOU LAGRANGE, O.P.: A ATUALIDADE DO TOMISMO E AS NECESSIDADES DO NOSSO TEMPO

P. Reginaldo Garrigou – Lagrange O. P.
Professor de Dogmática da Faculdade
de Teologia no Angélico de Roma
Essenza ed attualità del Tomismo
Roma 1946.
[Tradução: Gederson Falcometa]

 

Diversas publicações recentes mais ou menos erradas sobre a natureza e o método da teologia nos oferecem a ocasião de reclamar o valor que a Igreja reconhece a doutrina de Santo Tomás, e de mostrar como essa responde as necessidades mais urgentes da hora presente, na desordem que turba as inteligências.

– Recentes desviações

Tal desordem se manifestou já na época em que tinha começado a pulular o modernismo, do qual os 65 erros condenados pelo Decreto «Lamentabili» e pela Encíclica «Pascendi» eram quase todos, se não todos, das heresias, e algumas dessas heresias fundamentais sobre a própria natureza da revelação e da fé reduzida a pura experiência religiosa.

Era o indício, não de uma crise da fé, mas de uma doença muito grave da inteligência, a qual lhe conduzia, sobre traços de protestantismo liberal e através do relativismo, ao ceticismo absoluto.


Para dar remédio a este mal, em grande parte de ordem filosófica, Pio X reclamou – como já havia feito Leão XIII – a necessidade de fazer retorno a doutrina de Santo Tomás, e disse também na Encíclica «Pascendi»: — Magistros autem monemus, ut rite hoc teneant Aquinatem vel parum deserere praesertim in re Metaphysica, non sine magno detrimento esse: Parvus error in principio, sic verbis ipsius Aquinatis licet uti, est magnum in fine – Assim também no Motu próprio Sacrorum Antistitum de Set. de 1910 [1]. Malgrado este reclame, alguns espíritos continuaram, conscientemente ou inconscientemente, na obra de descrédito da filosofia e teologia escolástica que não respondia mais segundo esses as exigências da vida, nem sequer da vida interior que permitem, no dizem, de julgar qualquer coisa. Alguns sustentavam até mesmo não ser, em fundo, a teologia que uma espiritualidade, uma experiência religiosa que encontrou a sua expressão, intelectual. E muitas vezes se chegava a escrever «experiência religiosa» onde se deveria dizer «fé cristã e católica», esquecendo que o objeto próprio da experiência religiosa mesmo a mais autêntica é assaz restrito em comparação com aquele da fé que essa pressupõem. O justo aqui embaixo experimenta o afeto filial que o Espírito Santo lhe inspira a próprio respeito, mas não tem experiência da criação livre ex nihilo, nem da distinção real das Três Pessoas divinas, nem da União hipostática, nem do valor infinito da Redenção e da Missa, nem da vida eterna dos beatos, nem da eternidade das penas, e tudo isto ele o crê infalivelmente porque Deus o revelou, como a Igreja o propõe. A experiência religiosa autêntica, que procede dos dons da ciência, do intelecto, de sabedoria, de piedade, pressupõe a fé, mas não se identifica com essa.

Alguns são conduzidos por tais graves confusões a propor uma mudança na própria filosofia da verdade, e reproduzem este juízo de um filósofo contemporâneo: «A abstrata e quimérica adaequatio rei et intellectus se substituí pela busca metódica do direito: a adaequatio realis mentis et vitae[2]». A verdade não é mais a conformidade do nosso juízo com o real extra mental (com a natureza e a existência das coisas), mas a conformidade do nosso juízo com a vida humana que se evolui constantemente e as quais exigências são conhecidas pela experiência religiosa.

Resta, porém a ser visto se esta experiência religiosa ou espiritualidade tem um fundamento objetivo, e se a ação ou a vida de que se reivindica o primado (como na filosofia da ação) é verdadeira vida, a ação realmente ordenada ao verdadeiro fim supremo. Como julgar deste ultimo se não por conformidade ao real, dizia Santo Tomás [3], retornando assim a tradicional definição de verdade?

A ação verdadeira se define em relação ao verdadeiro fim ultimo a que essa diz ordenada e não vice-versa; de outra forma nós não sairemos do subjetivismo, do relativismo e do pragmatismo.

Nestes últimos tempos se quis tanto desacreditar a teologia escolástica que alguns chegaram a sustentar que essa não pode deduzir com certeza, por meio de uma minoria racional, nenhuma conclusão teológica, nem sequer esta: «Cristo (sendo verdadeiramente homem) deve ter uma vontade humana sujeita a sua vontade divina». Esta conclusão não seria, se diz, mais rigorosa que esta outra: O Cristo (sendo verdadeiramente homem) deve ter uma personalidade humana sujeita a sua personalidade divina. Isto significa esquecer que a teologia deduz as suas conclusões a luz dos mistérios revelados, aqui do mistério da encarnação, segundo o qual não existe em Jesus que uma pessoa e uma personalidade.

Chega-se também a dizer que a teologia especulativa hoje não sabe nem aquilo que essa quer, nem para onde é encaminhada. É a conclusão que devem chegar quantos descuidam os próprios princípios da doutrina de Santo Tomás, propriamente como se um geômetra, esquecendo os princípios da própria ciência, saísse a dizer: Hoje a geometria não sabe nem aquilo que quer, nem onde vai.

Daqui não há senão que um passo para o desprezo das provas teológicas, comumente acolhidas, até mesmo daquela obtida da Santa Escritura e da Tradição, que pressupõem já uma certa análise conceitual elementar dos dogmas revelados (aquela própria que se desenvolve em seguida a teologia especulativa para dar a inteligência dos dados revelados antes da dedução das conclusões).

Para alguns, muitas destas provas não conservariam o seu valor que admitindo um aumento interior e objetivo do depósito revelado, mesmo depois da morte do ultimo apóstolo. Em tal modo se chega a falar da relatividade e também da fragilidade das formas dogmáticas, como se essas não fossem que uma experiência religiosa que se evolui incessantemente, como se nestas formulas dogmáticas o verbo ser não fosse sempre imutavelmente verdadeiro. Todavia o Salvador disse: «Ego sum via, veritas et vita» (Io., XIV, 6); «Coelum et terra transibunt verba autem mea non praeteribunt» (Mat. XXIV).

Sustentou-se, em uma recente publicação, a propósito da graça habitual e da graça atual, que as noções de que se servem os próprio Concílios nas suas definições não são imutáveis e contudo se pretende manter que as definições conciliares são imutavelmente verdadeiras. Como poderia, nestas definições conciliares, o verbo ser (alma do juízo) dar imutabilidade a uma proposição de que os dois termos são continuamente mutáveis? Entretanto valeria dizer que um gancho de ferro pode ter imóvel unido às ondas do mar. Como pode um juízo ter um valor imutável se não existe imutabilidade na primeira apreensão, nas próprias noções que este juízo reúne?

Se esquece que sob as noções abstratas ou filosóficas, por exemplo de natureza, de pessoa, estão as noções confusas e imutáveis da razão natural e do senso comum, sem as quais as afirmações de que se fala não teriam alguma imutabilidade.

É isto que nós mostramos no livro publicado em 1909: O senso comum a filosofia do ser e as fórmulas dogmáticas.

Torna-se assim a sustentar que a verdade não se deve mais definir em relação ao ser, como faz o realismo tradicional, que é antes de tudo filosofia do ser; mas que essa se deve definir em relação a ação como na filosofia da ação parente próxima daquela do devenir [4].

Resta então a questão: a ação de que falais é verdadeira ela mesma?

Ela não pode ser há não ser que tenda para o fim ultimo. Ora, como julgar por sua vez este ultimo se não por conformidade com o real (retornando a definição tradicional da verdade), como dizia Santo Tomás [5] e como o repetiu Emilio Boutroux na sua crítica muito apropriada a filosofia da ação? [6]

Nas recentes desviações que temos recordado, a teologia é praticamente pouco a pouco substituída pela história unida a psicologia religiosa ou aquela do devenir, os quais representantes principais são citados como autoridades quase como um S. Agostinho se não mais, já que tem um valor de atualidade: «A Teologia que não fosse atual seria uma teologia falsa». E se acrescenta que a teologia de Santo Tomás não é mais atual.

O verdadeiro jamais é imutável, nos dizem; o verdadeiro é aquilo que corresponde as exigências da ação humana evoluindo-se sempre. M. Blondel escreveu ainda em 1935 L’Être et les êtres p. 415: «Nenhuma evidência intelectual, nem mesmo aquela dos princípios absolutos per sè, e que possuam um valor ontológico, se nos impõem com uma certeza espontaneamente e infalivelmente constringente».

É o mesmo que dizer que antes da livre escolha que admite a necessidade e o valor ontológico destes princípios, esses não são mais que probabilidades; depois da escolha, estes princípios são verdadeiros pela conformidade as exigências da ação ou da vida humana; e isto é, ainda que esses tenham uma certeza subjetivamente suficiente, mas objetivamente insuficiente, como a prova kantiniana da existência de Deus. Onde conduz tudo isto? A concluir que as provas tomistas da existência de Deus, per sè só, não são mais que probabilidades.

É exatamente esta confusão e instabilidade dos espíritos que mostra a imprescindível necessidade, como disseram Leão XIII e S. Pio X, de retornar a Santo Tomás.

Como fez observar S. Pio X na Encíclica Pascendi, o mal do qual sofre o mundo moderno é antes de tudo um mal da inteligência: o agnosticismo. Esse, seja sob forma de positivismo empirista seja sob aquela de idealismo, coloca em dúvida o valor ontológico das noções primordiais e também dos primeiros princípios da razão, o que não permite mais provar com certeza objetivamente suficiente, a existência de Deus distinto do mundo, e então nem mesmo de estabelecer o fundamento supremo da obrigação moral, ou aquele da lei natural. A filosofia moderna nos propõe uma lógica e uma crítica subjetiva, as quais não permitem chegar a verdade, isto é, de conhecer o ser extra mental. A ontologia é suprimida ou reduzida ao enunciado dos primeiros princípios, os quais não são mais leis imutáveis do ser, mas somente leis do espírito que evolui, leis do devenir mental, volitivo ou sentimental. Chegamos em tal modo a uma psicologia privada de alma, a qual não conhece se não os fenômenos, isto é, o devenir que é a base do estado de conhecimento mutável. A moral se torna então, uma moral privada de obrigações e de sanções, posto que não podemos conhecer o fundamento supremo do dever, nem o fim ultimo e verdadeiro do homem, segundo um juízo certo de conformidade com a realidade. Ao invés deste juízo necessário existem opções livres.

Em lugar da filosofia do ser temos, quer seja uma filosofia dos fenômenos, quer seja uma filosofia do devenir, quer seja uma filosofia da ação e das exigências desta ultima, ou seja, um voluntarismo segundo o qual «a metafísica tem a sua substância na vontade agente» substituída pelo ser e as leis imutáveis deste. Se renúncia assim a definição tradicional da verdade: conformidade do juízo com a realidade extramental, adaequatio rei et intellectus, a qual é substituída pela definição: veritas est conformitas mentis et vitae, a verdade é conformidade do pensamento com a vida humana sempre em evolução. Em tal modo retornamos aqui ao modernismo (Denz., 2058, 2026, 2079, 2080).

Quanto ao fato da Revelação, esse permanece incognoscível, porque os sinais da revelação não podem ser estabelecidos com certeza objetivamente suficientes. Existe até mesmo quem duvide da possibilidade do milagre, visto que o milagre parece estar em contradição com o princípio de causalidade, na forma em que esse vem formulado hoje pelo agnosticismo e pelo fenomenalismo: «qualquer fenômeno pressupõe um fenômeno antecedente». O milagre seria um fenômeno sem antecedente fenomenal; não podemos admiti-lo se não como efeito da fé religiosa ou da viva emoção que segue por vezes o sentimento religioso. Chegamos em tal modo a uma religião fundada sobre o sentimento religioso e sobre a evolução natural deste. O cristianismo e o catolicismo seriam a forma mais alta desta evolução, porém, não existem mais dogmas imutáveis, porque os dogmas são expressos por noções como aquelas de natureza e pessoa, o qual valor ontológico e transcendente é sempre dúbio.

O agnosticismo conduz assim ao naturalismo, ou seja, a negação da realidade sobrenatural [7].

Na origem de todos aqueles erros está desde o tempo de Hume e de Kant, o seguinte: A relação essencial da inteligência com o ser extra mental é suprimida; portanto, a inteligência moderna não pode elevar-se com certeza a Deus, Primeiro Ser; essa recaí sobre si mesma e diz finalmente que Deus não existe na ordem transcendente, mas que ele se transforma em nós. Foi assim que o agnosticismo de Kant conduziu ao panteísmo de Fichte ao evolucionismo absoluto de Hegel; evolucionismo que se encontra nas formas mais variadas do idealismo contemporâneo. O homem não vive mais de Deus, mas somente de si mesmo e se encaminha para a morte, para a angústia e a desesperação das quais trata o existencialismo atual, que é, como disse alguém, a experiência antecipada, não do céu, mas do inferno.

Portanto, é preciso salvar a inteligência, saná-la, fazer lhe entender que os primeiros princípios da religião natural ou do senso comum possuem um valor ontológico, que são leis do ser que permitem chegar a verdadeira certeza sobre a existência de Deus, fundamento suprimo da obrigação mora, como também a certeza do fato da revelação de Deus, sobre a qual se apoiam os dogmas imutáveis da fé.

Tal defesa do valor ontológico e do valor transcendental ou analítico das primeiras noções e dos primeiros princípios, o encontramos no tomismo; não é esta uma defesa superficial, como aquela da filosofia do senso comum proposta pelos escoceses Reid e Dugald Stewart, mas muito mais profunda, a qual recolhe os frutos do pensamento de Sócrates, de Platão, de Aristóteles, dos Padres da Igreja e sobretudo de Santo Agostinho. Temos lá um patrimônio intelectual de um valor incomensurável, o qual restitui a Inteligência humana a consciência daquilo que ela é de fato, lhe faz entender novamente a sua verdadeira natureza, e permite por isso de reencontrar a via que conduz a Deus, primeira causa e último fim, mas também dirigir a vontade para tal fim supremo.

O tomismo corresponde as necessidades profundas do mundo moderno, porque restitui o amor da verdade por si mesma. Ora, sem tal amor da verdade por si mesma não é possível obter a verdadeira caridade infusa, ou seja, o amor sobrenatural de Deus por si mesmo, nem chegar a contemplação infusa de Deus buscado por si mesmo, ou seja, a contemplação que procede da fé viva enriquecida pelos dons do Espírito Santo, da inteligência e sobretudo de sapiência.

Como fez observar justamente Jacques Maritain no seu belo livro Le Docteur Angelique, 1929, Annexe I: S. Thomas Apôtre des temps modernes, p. 212: « S. Tomás, e este é um benefício imediato a ele devido, reconduz a inteligência ao seu objeto, o orienta para o seu fim, lhe restituí a sua natureza. Como poderia essa não lhe dar ouvidos? É como se disséssemos ao olho que esse é feito para ver, as asas, que essas são feitas para voar… Ao mesmo tempo lhe vem restituída a simplicidade do olhar; os obstáculos artificiais não a fazem mais hesitar quanto a evidência natural dos primeiros princípios, e tal evidência reinicia a continuidade entre a filosofia e o senso comum». É precisamente aquilo que temos demonstrado no nosso livro sobre O Senso comum, a filosofia do ser e as fórmulas dogmáticas.

Pelo seu realismo, a necessidade e a universalidade dos seus princípios, o tomismo tem também uma grande capacidade assimiladora. Ele está em grau de assimilar tudo aquilo que é novo e verdadeiro nas descobertas das ciências diversas e então a base experimental pode continuamente vir estendida; ao modo do organismo humano, o qual conserva a própria estrutura substância, existe no tomismo um processo de assimilação perpétuo. Retornaremos sobre este argumento no fim do capítulo seguinte.

NOTAS:

[1] Cf. Enchiridion clericorum, 1938, n. 805, 891

[2] Maurizio Blondel, Punto di partenza della ricerca filosofica (Annales de Philosophie Crétienne, 1906, a, I, p. 235).

[3] Cf. I-II, q. 19, a. 3, ad. 2m: «In his quae sunt ad finem (i mezzi) rectitudo rationis consistit in conformitate ad appetitum finis debiti. Sed tamen et ipse appetitus finis debiti praesupponit rectam apprehensionem de fine, quae est per rationem (secundum conformitatem ad rem)».

[4] Se retorna assim a um relativismo mais ou menos pragmatista, do qual o Santo Ofício em 1 de dezembro de 1924 condenou as seguintes proposições:

«1°. Conceptus seu ideae abstractae per se nullo modo possunt constituere imaginem (seu repraesentationem) rectam atque, fidelem etsi partialem tantum. 2°. Neque ratiocinia ex eis confecta per se nos ducere possunt in veram cognitionem ejusdem realitatis. 3°. Nulla propositio abstracta potest haberi ut immutabiliter vera. 4°. In assecutione veritatis actus intellectus in se sumptus, omni virtute specialiter apprehensiva destituitur, neque est instrumentum proprium et unicum huius assecutionis, sed valet tantum modo in complexu totius actionis humanae, cujus pars et momentum est, cuique soli competitveritatem assequi et possidere. 5°. Qua propter veritas non invenitur in ullo actu particulari intellectus, in quo haberetur «conformitas cum objecto», ut aiunt scholastici, sed veritas est semper in fieri, consistitque in adaequatione progressiva intellectus et vitae, scil. in motu quodam perpetuo, quo intellectus evolvere et explicare nititur id quod parit experientia vel exigit actio; ea tamen lege ut in toto progressu nihil unquam ratum et fixum habeatur. 6°. Argumenta logica, tum de existentia Dei, tum  de credibilitate Religionis christianae, per se sola, nullo pollent valore, ut aiunt, objectivo, scil. per se nihil probant pro ordine reali. 7°. Non possumus adipisci ullam veritatem proprii nominis quin admittamus existentiam Dei, immo et Revelationem. 8°. Valor quem habere possunt hujusmodi argumenta, non provenit ex eorum evidentia, seu vi dialectica, sed ex exigentiis «subjectivis» vitae vel actionis, quae ut recte evolvantur sibique cohaereant, his veritatibus indigent». Seguem outras quatro proposições condenadas que dizem respeito a apologética e o valor da fé. O elenco destas proposições o encontramos no Monitore Ecclesiastico 1925, p. 194. Como se pode evitar esta proposição modernista (Denz. 2058): «Veritas non est immutabilis plusquam ipse homo, quippe quae cum ipso, in ipso, et per ipsum evolvitur»?

[5] I. II. q. 19, a 3, ad 2m., loc. cit. |

[6] Science et religion, 1908, pag. 296: «É então da ação especial da vontade que se entende falar? Mas a vontade exige um fim… Isto que se busca através destas engenhosas teorias é a ação como auto suficiente independente de todos os conceitos pelos quais nós podemos tentar explicá-la e justificá-la, a ação pura, a ação em si… Isto não significa, talvez, que se queira ou não se queira, o retorno a um programa indeterminado?… E não se caça em uma via sem saída, quando se busca na prática, longe da teoria, a essência e só o princípio veraz da vida religiosa?

[7] Expusemos de modo particular os princípios e as consequências do agnosticismo e do evolucionismo em uma outra obra nossa De Revelatione, 4a edizione, 1945, Roma, Ferrari, t. I, p. 218-248; 259-299; t. II, p. 2-92; 115-124. Hoje alguns não hesitam em ensinar até mesmo doutrinas mais fantasiosas e falsíssimas a propósito do pecado original.

1º A hipótese da evolução material do mundo vem estendida a ordem espiritual e sobrenatural. O mundo sobrenatural estaria evoluindo em direção a plena chegada de Cristo, isto é, até o segundo advento.

2º O pecado, enquanto fere a alma, seria alguma coisa se espiritual e então não existiria no tempo, portanto, pouco importa a Deus se isso vem cometido no princípio ou no curso da existência humana.

3º As consciências humanas se compenetrariam em qualquer modo e todas compartilhariam a natureza humana, a qual haveria uma existência sua independente. Por isso o pecado pessoal de qualquer uma alma fere a natureza humana inteira.

4º Então, o pecado original não seria mais aquele de Adão, mas de qualquer um homem, um pecado que recairia sobre a natureza inteira. Existe quem gostaria de mudar em tal modo não somente o modo de exposição da teologia, mas também a mesma natureza da mesma, e até mesmo aquela do dogma.

Alguns ensinam mais ou menos explicitamente que o mundo material evoluiria de modo natural em direção ao espírito, e que igualmente o mundo espiritual evoluiria de modo natural ou quase natural em direção a ordem sobrenatural, como se Baius tivesse tido razão. O mundo estaria desse modo em evolução natural para a plenitude de Cristo; esse seria um progresso continuo e então não poderia ter tido um inicio em estado perfeito de justiça original seguido por uma queda, ou seja, do pecado original: tal evolucionismo, que recorda aquele de Hegel, muda a própria substância do dogma.

A mesma tendência induz alguns a formular, a propósito da Eucaristia, afirmações como a seguinte: “O verdadeiro problema da presença real não foi colocado até agora”. Dizer que Cristo é presente na Eucaristia ad modum substantiae é dar uma explicação que passa ao largo do verdadeiro problema; na sua clareza enganadora essa suprime o mistério religioso para contentar-se com um simples prodígio. É preciso substituir, no caso, o método escolástico de refletir pelo cartesiano e spinozista. Ainda que Cristo seja Deus verdadeiro, não se pode dizer que com ele se tenha tido uma presença de Deus na judeia. Deus não estava presente na Palestina mais que em outros lugares. Foi, porém, um sinal eficaz da presença de Deus. Igualmente a Eucaristia é o sinal eficaz de uma presença espiritual. Não existe a transubstanciação no sentido físico e filosófica, mas somente no sentido religioso. O pão e o vinho se tornaram o sinal da presença espiritual de Cristo.

Ora, afirmar isto equivale a tornar ao modernismo e também a heresia da empanação ou aquela da consubstanciação.

Savonarola quando era tentado pelo orgulho se comparava com Santo Tomás e se considerava um anão diante daquele gigante. Ao contrário os modernistas acima, se acreditam superiores a Santo Tomás. Esperemos que mudem o parecer no momento da morte!

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