DON CURZIO NITOGLIA: CAIFÁS ERA SUMO SACERDOTE?


Don Curzio Nitoglia
24 de janeiro de 2014
Tradução: Gederson Falcometa
 
No Evangelho segundo João (XI, 45-53) lemos que Jesus ressuscitou Lázaro, que estava morto havia quatro dias, e então “muitos judeus creram” (v. 45). Contudo, outros foram e o denunciaram aos fariseus e sumos sacerdotes (vv. 46-47). Então "os sumo sacerdotes e os fariseus reuniram o Sinédrio" (v. 47) para decretar legalmente a sentença de morte de Jesus, que eles já haviam estabelecido em seus corações.
São Tomás de Aquino, na sua In evangelium Joannis expositio (lição VII, par. II, n. 1567), explica: «a propósito daquela reunião do Sinédrio emerge a maldade dos sumos sacerdotes que queriam fazer Jesus perecer […] sobretudo da condição das suas pessoas, pois não eram simples fiéis ou pessoas comuns, mas sim sumo sacerdotes e fariseus. Ora os sumo sacerdotes eram os chefes das coisas sagradas, mas eles os ignoraram e os odiaram na pessoa de Jesus.
Atenção! a maldade dos sacerdotes da Antiga Aliança não se devia à sua vida privada, mas à sua descrença no Messias prometido pela Revelação divina e à sua vontade perversa e até mesmo deicida de matá-lo, e ainda assim eles são sempre chamados de "sumos sacerdotes" por todos os quatro Evangelhos.

Além disso, sua malícia é extrema justamente porque são sacerdotes, que são colocados à frente das coisas sagradas e estas, ao contrário, as violam, enquanto a culpa dos fiéis é muito menos grave que a dos chfes, pois estes os seguem justamente porque são sacerdotes.

Os chefes sabiam claramente, como ensina S. Tomás de Aquino, (S. Th., III, q. 47, a. 5, 6; S. Th., II-II, q. 2, a. 7, 8) que Jesus era o Messias e eles queriam ignorar ou não admitir que ele era Deus (ignorância afetada, o que agrava a culpa).

povo, que em sua maioria seguia os chefes, enquanto um "pequeno resto" seguia a Cristo, tinha uma ignorância que não era afetada ou querida, mas vencível, portanto uma falta menos grave que a dos líderes, mas objetivamente ou em si mesma grave (subjetivamente não sabemos, pois somente Deus entra no coração de cada homem). O povo, que tinha visto os milagres de Cristo, tinha o atenuante de ter seguido o sumo sacerdote, o Sinédrio, os chefes; seu pecado é grave em si mesmo, ainda que em parte diminuído, não totalmente cancelado, pela ignorância que é vencível, mas não afetada (S. Th., ut supra).
São João continua: “mas um deles, chamado Caifás, que era sumo sacerdote naquele ano” (v. 49).

O Doutor Angélico (lição VII, par. V, n. 1574) comenta: «a pessoa que pronunciou a sentença [de morte contra Jesus] é indicada pelo seu nome: “Caifás” e pela sua dignidade: “era sumo sacerdote”. A este respeito, deve-se notar que o Senhor instituiu (Levítico, VIII) um único sumo sacerdote, após cuja morte seria substituído por um sucessor que exerceria o ofício de pontífice por toda a vida. Mas depois, à medida que a ambição e os litígios cresciam entre os judeus, foi permitido que houvesse vários sumos sacerdotes, que exercessem essa dignidade por turnos, um a cada ano. Às vezes, eles adquiriam cargos, como narra Flávio Josefo  (Antiguidades Judaicas, livro XX, cap. 10).

A simonia já existia praticamente na Antiga Aliança, antes de Simão, o Mago (Atos, VIII, 18), e não era um impedimento à legítima posse da autoridade por aqueles que a tinham comprado sacrilegamente com dinheiro. Em Levítico, lemos que Deus havia estabelecido apenas um sumo sacerdote vitalício, mas então – assim como no caso do divórcio – dada a dureza de coração dos judeus, as autoridades humanas concederam o direito de eleger vários sumos sacerdotes que exerceriam o poder por apenas um ano, um após o outro. O “simoníaco”, apesar de ser um infiel, incrédulo ou ateu, que não crê em nada, nem mesmo em Deus, pois compra coisas espirituais com dinheiro como se fossem materiais (cf. S. Th., II-II, q- 100, a. 1), ainda tem a autoridade espiritual que comprou, também na Nova e Eterna Aliança, mesmo que tenha cometido um pecado mortal de sacrilégio (São Pio X, Constituição Dogmática Vacante Sede Apostolica, 25 de dezembro de 1904; Pio XI, motu proprio Cum proxime, 1 de março de 1922; Pio XII, Constituição Dogmática Vacantis Apostolicae Sedis, 8 de dezembro de 1945).

Simonia é um pecado contra a Fé, ou melhor, é a negação total dela (incredulidade, infidelidade ou irreligião) e não de um ou mais artigos de Fé (heresia). No entanto, isso não faz com que a pessoa que o roubou, comprando-o sacrilegamente, perca sua autoridade.
São Jerônimo em seu Comentário sobre Mateus IV (XXVI, 57) escreve: «Flávio Josefo narra que Caifás havia comprado de Herodes o pontificado supremo por um único ano por dinheiro. Não é de surpreender, portanto, que este pontífice perverso julgue injustamente."

O Evangelho continua e narra que Caifás então disse: “É melhor que um só morra por todo o povo” (v. 50). Então São João acrescenta: “Ele não disse isso de si mesmo, mas sendo sumo sacerdote profetizou” (v. 51).
O Doutor Comum da Igreja comenta (lição VII, parágrafo VII, n. 1576): "quando um homem fala usando sua própria razão, ele fala por si mesmo, mas quando ele fala movido por uma causa superior e por inspiração externa, ele não fala por si mesmo." Depois (n. 1577) o Doutor Angélico especifica: «tendo João acrescentado: “Sendo Caifás sumo sacerdote naquele ano”, João refere-se à dignidade pontifícia de Caifás para deduzir que ele falou naquele momento sob a moção do Espírito Santo. Isso nos faz entender que o Paráclito move até mesmo os maus constituídos em autoridade a expressar certas coisas futuras para o benefício de seus súditos." Finalmente (n. 1579) o Aquinate explica que «o Espírito Santo não fez boa a sua mente e vontade, que permaneceram intencionadas ao mal, mas apenas sua língua para se pronunciar de tal maneira que se seria cumprida a salvação e a redenção do povo».
Santo Agostinho no seu Comentário sobre João (XI, 49-51, Discurso XLIX) explica: «São João evangelista atribui a um desígnio divino o fato de Caifás ter sido o pontífice, isto é, sumo sacerdote».
Deus queria que Caifás fosse sumo sacerdote para decretar com sua boca a morte de Jesus mediante a sua má vontade, mas o próprio Deus apenas moveu sua língua para profetizar a Redenção da raça humana por meio da morte de Cristo, porém a vontade de Caifás permaneceu má e ele, apesar de tudo, permaneceu sumo sacerdote.

Evangelho segundo Mateus (XXVI, 65) narra que quando Jesus confessou sua divindade, interrogado por Caifás, “o sumo sacerdote rasgou suas vestes”. O Aquinate, em sua Catena aurea, relata o comentário de vários Padres da Igreja sobre esta passagem. A de São Jerônimo é muito forte e deve ser lida no contexto de sua 'Homilia 85 sobre o Evangelho de Mateus' para ser bem compreendida: «Caifás, rasgando suas vestes, mostra ou profetiza que os judeus perderam sua glória sacerdotal e que o trono do pontífice está vazio» (Catena aurea, Expositio in Mattthaeum, cap. XXVI, lec. 16, Turim, Marietti, 1953). Ora no contexto da Homilia 85 de Jerônimo em Mateus, lemos que «o zelo furioso com que Caifás rasgou sua vestimenta foi um vaticínio ou uma profecia do fim do sacerdócio do Antigo Testamento, que seria substituído, depois do deicídio e da ruptura do véu do Templo, pelo do Novo e Eterno Testamento até o fim do mundo» (Homilia in Matth., 85).Portanto, o gesto de Caifás, como o rasgar do véu do Templo, mostra, profetiza ou prenuncia o fim da Antiga Aliança, mas isso não significa que, segundo São Jerônimo, Caifás não fosse o sumo pontífice; de fato, ao longo da Homilia 85 e do Comentário IV a Mateus, Jerônimo continua a chamar Caifás de sumo pontífice, como em todos os Evangelhos e os outros Padres da Igreja.

São Gregório Magno no seu Sermão XLIV, 2 escreve: «Caifás, rasgando todas as suas vestes, privou-se do seu decoro de pontífice; de fato o Levítico (XXI, 10) ensina: “não rasgueis as vossas vestes”. O mesmo rasgo que faz em pedaços o seu hábito e decoro sacerdotal  logo rasgará ao meio o véu do Templo."

Sempre SantoTomás na Catena aurea In Marcum (XIV, 63) cita São Leão Magno que comenta: «rasgando a sua veste, Caifás, o sumo sacerdote, ignorando o significado profético deste gesto, despoja-se da sua honra sacerdotal, contrariando o capítulo VIII do Levítico: “não rasgueis as vossas vestes”. […]. Como se quisesse demonstrar que a Antiga Lei acabaria, aquele rasgo em seu ornamento sacerdotal é o mesmo que logo rasgaria o véu do Templo", então o Doutor Angélico cita São Beda que escreve: "Caifás rasga sua veste, a túnica de Jesus não foi rasgada nem mesmo pelos soldados que a sortearam. Esta é uma figura do sacerdócio da Antiga Aliança, que teria terminado por causa do deicídio, ao invés disso a força da Igreja, simbolizada pela vestimenta inconsútil de Cristo, nunca acabará".

Além disso, todos os versículos dos quatro Evangelhos chamam Caifás de “sumo sacerdote” e nenhum dos Padres que os comentaram afirma que Caifás não era o sumo sacerdote.

O abade Giuseppe Ricciotti, em sua Vida de Jesus Cristo (Milão, Mondadori, 5ª ed., 1974, 2º vol., par. 562-568, “O Julgamento de Jesus perante o Sinédrio”, pp. 642-648) chama Caifás de “sumo sacerdote” seis vezes; além disso (página 647, parágrafo 567), ele escreve especificamente: “Aquele que questionou [Jesus] estava investido da suma e oficial autoridade em Israel. […]. Por mais perigoso que fosse, havia chegado o momento [para Jesus] declarar abertamente sua própria qualidade perante todo o Israel, representado pelo sumo sacerdote e pelo Sinédrio”.

Portanto, deve-se concluir com os Padres da Igreja, o Doutor Comum e os exegetas aprovados que Caifás era sumo sacerdote.
Mons. Antonino Romeo no Dicionário Bíblico dirigido por Mons. Francesco Spadafora (Roma, Studium, 3ª ed., 1963, entrada “Caifas”, pp. 94-95) escreve: «Caifás, sumo sacerdote judeu […] durante 18 anos consecutivos (de 18 a 36 d.C.). […]. O conselho de Caifás de sacrificar Cristo para salvar o povo contém dois significados, um desejado pelo ímpio sumo sacerdote e o outro pelo Espírito Santo e expresso por São João no Evangelho.

impiedade que fala Mons. Romeu diz respeito à falta de pietas (S. Th., II-II, q. 80 e 101), que é uma parte potencial da virtude da justiça (II-II, qq. 58-79), que nos faz dar a cada um o que lhes é devido. Então, a piedade para com Deus é a virtude da religião (ibid., q. 81) e exige adoração (ibid., q. 84). A simonia (II-II, q. 100) é um pecado de impiedade ou irreligião, que consiste na irreverência para com Deus e as coisas sagradas, querendo comprá-las com dinheiro. Como se vê, Caifás e os Pontífices irreligiosos, ímpios, ateus ou simoníacos pecam gravemente contra toda a Fé, mas continuam sendo igualmente – jurídica ou canonicamente – pontífices, mesmo que – moralmente – sejam gravemente pecadores.

d. Curzio Nitoglia
24/01/2014

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