A IGREJA E O NAZISMO

Pio XI, a Mit brennender Sorge (1937) e Pio XII

 

[Extratos]

PADRE CURZIO NITOGLIA

[Tradução: Gederson Falcometa]

19 de outubro de 2009

http://www.doncurzionitoglia.com/chiesa_e_nazismo.htm

 

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O que é uma concordata?

Quando a Santa Sé estipula uma concordata com um governo, quer apenas premunir os católicos sujeitos àquele governo de toda forma de perseguição ou de discriminação, mas isto não significa que ipso facto a Santa Sé reconheça a sua bondade, que é diferente da sua legitimidade. De fato, um governo pode ser legítimo sem ser bom ou conforme ao Direito público eclesiástico, o qual prevê a subordinação do Estado a Igreja, como o corpo é submisso a alma, pela supremacia do fim espiritual (da alma e da Igreja) sobre aquele temporal (do corpo e do Estado). Se leia o que escrevem os canonistas:”Concordata é aquilo que foi estabelecido livremente por duas partes; essa é então um pacto para compor uma controvérsia que também é chamada concórdia, tractatus, pax […] é muito util praticamente para prevenir dissensos ou a recompor-lhes, se já nasceram”1. A própria doutrina é ensinada pelo Cardeal Alfredo Ottaviani que também nos explica que:”a primeira concordata é o pacto de Calisto ou Wormatiense de 1122”2. Enquanto Padre Felice Maria Cappelo afirma que: “Os pactos carolíngios – entre Estefano III e Pipino (754); entre Adriano I e Carlos Magno (774); entre Pasqual I e Ludovico o Pio (817) – podem ser chamados em sentido largo de concordatas ou melhor editos […], para alguns a Bula de Urbano II (1098) a respeito de Ruggero I da Sicília, é a primeira concordata; todavia em sentido estreito a verdadeira e primeira concordata é aquela de Calisto (1122)”3. A Santa Sé sempre recorreu as concordatas para premunir os seus fiéis da prepotência do poder politico. Isto significa que a concordata não é um cedimento do Papa ao mundo moderno, como deixa entender Prevost no seu livro sobre o Ralliement; de outro forma, desde o oitavo século a Igreja estaria rallié ao mundo moderno, que ainda devia nascer.

A concordata com o III Reich

No verão de 1933, depois da requisição do III Reich, a Santa Sé aceitou retomar as tratativas para uma concordata. Porém, Pio XI deveria bem rápido lamentar que em apenas quatro anos o partido que governava o III Reich germânico tinha violado muitas vezes a concordata e buscado de todos os modos aniquilar a Igreja: “A experiência dos anos transcorridos [quatro: de 33 até 37] […] revela as maquinações, que já no princípio não se propuseram a outra coisa senão uma luta até a aniquilação [do Catolicismo]”4. O Papa compara alguns chefes do partido nacional socialista ao inimicus homo do Evangelho, semeador da discórdia, que é o diabo. De fato, aqueles espalharam a “cizânia […] de uma aversão profunda, […] contra Cristo e a sua Igreja, desencadeando uma luta que […] se serve de todos os meios”5. Pio XI continua: “não se pode considerar como crente em Deus aquele que usa o Seu nome retoricamente […]; quem, com determinação panteísta, identifica Deus com o Universo, […] não pertence aos verdadeiros crentes […].  Nem é tal quem, seguindo uma pretensa concepção pré-cristã do antigo germanismo, coloca no lugar do Deus pessoal o destino”6. Papa Ratti admite que a raça ou o povo, o Estado tem um lugar essencial e digno de respeito nas questões sociais e políticas, mas “quem lhe destaca desta escala de valores terrenos, elevando-lhe a suprema norma de tudo […] divinizando-lhe com culto idolátrico perverte […] a ordem criada e imposta por Deus, está distante da verdadeira Fé”7. Não é católico quem põe a raça no lugar de Deus ou o Estado no lugar do Criador. ‘O nosso Deus – continua o Papa – é o Deus pessoal, transcendente, onipresente […] o qual não admite outras divindade em torno de si […]. Somente espíritos superficiais podem cair no erro de falar de um Deus nacional, de uma religião nacional, e empreender a louca tentativa de aprisionar nos limites de um só povo, na restrição […] de uma só raça, Deus, Criador do mundo”8. Tudo isto não é senão o “provocante neopaganismo”; além disso “A fé em Deus não se manterá a longo pura e incontaminada, se não se apoiar na fé em Jesus Cristo”9. E o Papa concluí com estas palavras proféticas: “Aqueles que […] ousassem colocar de lado a Cristo, ou pior, sobre Ele, um simples mortal, ainda que fosse o maior de todos os tempos, saibam que é um profeta de quimeras10.

Interpretação da encíclica

Muitos tem falado da encíclica Mit brennender Sorge e tem procurado dar-lhe uma interpretação; mas poucos tem citado a Nota do III Reich de 12 de abril de 1937, entregada pelo embaixador alemão na Santa Sé ao Secretário de Estado Vaticano Monsenhor Eugênio Pacelli; e sobretudo a Resposta de monsenhor Pacelli de 30 de abril de 1937 ao embaixador alemão. Monsenhor Pacelli responde, em nome do Papa Pio XI, ao governo alemão, e dá uma interpretação autêntica da encíclica. Pacelli escreve que a Mit brennender Sorge não é um documento “hostil ao povo ou ao Estado Germânico”, antes essa representa uma “diagnose em vista da cura desse” (primeiro parágrafo). Reconhece que a encíclica falou do “partido nacional socialista” e não do governo alemão (segundo parágrafo). Acrescenta que a intenção da encíclica “não era absolutamente causar dano ao povo ou ao governo germânico, mas superar as desordens que se verificam na Alemanha”; todavia Pacelli coloca em guarda firmemente sobre o perigo do partido nacional socialista e sobretudo sobre alguns de seus setores radicais. “O movimento que sustenta o Reich é sempre mais comprometido com idéias, dos orientamentos e dos grupos ideológicos, que tem por fim destruir a Fé Cristã e de subjugar a Igreja”. Segundo os estudiosos mais qualificados existia um grupo ideológico que impulsionava o partido nacional socialista para o anticristianismo extremo e era aquele de Rosenberg, que queria imediatamente a destruição da religião Católica, enquanto Hitler queria chegar pouco a pouco, realizando a guerra. Outros – como veremos adiante – também procuraram verdadeiramente recuperar parcialmente a Hitler.

·         O doutor Fabio Casini, da Universidade de Siena, escreve que o comportamento de Hitler a propósito do problema religioso foi inicialmente ambíguo. “Apesar do profundo ódio para com o cristianismo […] Hitler temia, ao menos até 1940, um aberto confronto cultural com as Igrejas […]. Daí a sua dupla estratégia de aprisionamento e de ameaças […]. E também daí a linha prudente seguida pelo ditador nos confrontos com aqueles Bispos católicos que, corajosamente, começavam a denunciar as perseguições nazistas […] A linha a seguir, ao menos nos primeiros tempos, pareceu aquela de considerar a Igreja Católica uma unidade e, consequentemente, insossos e privados de importância os pronunciamentos individuais dos eclesiásticos. Hitler se reservava a proceder a uma intervenção mais resoluta com o mundo religioso com o fim da guerra; em realidade a sua fanática aversão pelo cristianismo saiu para fora com toda a força quando atacou a Polônia […], até a vitória sobre […] a França, quando sancionou a presumida dominação nazista. Se abria a estrada para o futuro do regime […] e a edificação de uma sociedade na qual haveria sempre menor espaço para a religião. Não mais uma questão de separação entre Estado e Igreja, mas de eliminação da Igreja (se reafirmava aquilo que Rosenberg, ideólogo do partido, havia preconizado no seu “Mito do século XX” de 1930 […] o conflito entre o neo-paganismo germânico e as odiadas Igrejas cristãs, sobretudo a “Internacional negra”, isto é, a Igreja de Roma)”11.

 

·         Ao invés, o professor Emílio Gentile, aprendiz de De Felice e um dos maiores expert’s do fenômeno fascista, docente da Universidade La Sapienza de Roma escreve: “depois do advento ao poder de Hitler, a ameaça para a cristandade representada pelo nacional socialismo parecia a muitos cristãos […] grave, ainda que a ambiguidade da política religiosa de Hitler, que não encorajava abertamente os teóricos do neopaganismo racista [Rosenberg, nda], induziam qualquer observador, por mais que fosse hostil ao nazismo, a avançar nas dúvidas sobre a identificação entre nacional socialismo e neo-paganismo racista. No regime nazista, em realidade, as correntes neopagãs, anticristãs […] eram fortes e prementes […] para deixar cair rápido as dúvidas sobre a natureza efetivamente anticristã da religião nazista. […] O nacional socialismo revelava aos católicos […] a sua verdadeira natureza de movimento anticristão, em que confluíam diversas correntes, mas tem como fim comum a aniquilação da religião católica […], porque o nazismo reivindicava todas as características de uma nova religião, fundada sobre princípios e sobre valores radicalmente opostos aos cristãos e católicos”12. Além disso, Pacelli reconhece que se o Papa condenou o bolchevismo, “não pode fechar os olhos sobre os erros que estão se desenvolvendo no seio de outras tendências políticas e filosóficas [Rosenberg e o nacional socialismo, nda] que embora sendo anti-bolchevique não pode gozar do privilégio de ser tolerado ou ignorado pelo Magistério supremo da Igreja”; o verdadeiro fronte ante-bolchevique, responde o Secretário de Estado Vaticano, deve ser fundado sobre a verdade e não pode ser anticristão [vale dizer, o nacional socialismo não é a verdadeira reação ao bolchevismo, porque também esse, como o comunismo – ainda que em medida menos radical – é anticristão, nda] (parágrafo quarto). No parágrafo sétimo Pacelli retorna sobre “certas personalidades do nacional socialismo” [Rosenberg e Camerati] que manobram para destruir a Igreja 13.

 

·         O professor Giovanni Miccoli  escreveu recentemente que, mesmo Pio XII no início do seu pontificado, procurou «preparar um processo de distensão [com o III Reich]. A primeira notícia que ele comunicou aos quatro cardeais alemães (Bertram, Faulhaber, Schulte e Innitzer), abrindo os encontros que ele queria ter com eles nos dias sucessivos ao conclave [falecido]: Nós não somos contra a Alemanha e nem mesmo contra uma determinada forma de governo. […]. Deste ponto de vista emerge claramente como as posições tomadas por Pio XI nos confrontos com a Alemanha nazista tinham ido além dos desejos e das orientações de ao menos uma parte do episcopado alemão […] que se lembra da distinção entre os máximos dirigentes do governo [compreendendo Hitler, nda] e os extremistas neopagãos do partido [Rosenberg-Goebbels], com uma persistente confiança na disponibilidade de Hitler. […]»14.

Pio XII e o nazismo

O novo Papa e o episcopado alemão retomavam o princípio segundo o qual «o cidadão deve respeito e obediência a autoridade legítima, não importa se sobre o trono assente um Pilatos ou um Nero»15, exceto quando essa ordene qualquer coisa de intrinsecamente perverso, ou seja, contrário a fé e a moral. Como se vê a Autoridade pode ser legítima mesmo se não é boa ou conforme a doutrina social católica. Mesmo o Card. Faulhaber – que embora não sendo tenro com as derivas neopagãs do nazismo – escreveu em 4 de novembro de 1936, depois de ter encontrado pessoalmente Hitler, «de ter encontrado diante de si não a um Nero, mas a um grande homem de Estado»16. Tal posição não era compartilhada pelo Card. Von Galen e pelo Card. Schulte, os quais em 1937 expressaram todas as suas perplexidades a Pio XI também sobre o próprio Hitler. «Mas ainda em março de 1939, no encontro dos Cardeais alemães com Pio XII, Faulhaber podia avançar observações e propostas como esta: “algumas vezes nutrimos dúvidas se da parte dos supremos chefes do partido se deseja a paz […]. Sobretudo se si trata de combater a Igreja»17.

Terminada a guerra, em 2 de junho de 1945, Pio XII teve uma audiência com os Cardeais residentes em Roma sobre a natureza do nacional socialismo, em que precisava o significado autêntico de quanto foi escrito por Pio XI:”Vós vedes aquilo que deixa atrás de si uma concepção do Estado que não tem em nenhuma consideração os sentimentos mais sacros da humanidade, que calca os invioláveis princípios da fé cristã. O mundo inteiro […] contempla hoje a ruína, que lhe derivou”. O Papa define em seguida a natureza do nazismo como: “O spectro satânico exibido pelo nacional socialismo” e precisa que Pio XI com a Mit brennender Sorge”revelou […] aquilo que o nacional socialismo era na realidade: a apostasia orgulhosa de Jesus Cristo, a negação da sua doutrina e da sua obra redentora, o culto da força, a idolatria da raça e do sangue”, portanto, concluí, existe uma “radical oposição entre o partido nacional socialista e a Igreja Católica”. É preciso dizer que Pio XI no mesmo ano de 1937 condenava o nazismo e o comunismo; mas dizia, na Divini Redemptoris, que o comunismo é “intrinsecamente perverso e nenhum cristão pode, por nenhum motivo, colaborar com ele”; enquanto não diz o mesmo do nacional socialismo. De fato, o nazismo não aboliu a religião, a propriedade privada e a família, enquanto o comunismo sim. Portanto existe uma gradação na malícia dos dois totalitarismos e aquele comunista é bem pior do que aquele nazista. Apesar disto, Pio XI, quando Hitler foi a Roma, quis deixar a Cidade santa e ir para outro lugar, em sinal de protesto, em Castelgandolfo, dizendo que em Roma tremulava uma “cruz [suástica] inimiga da cruz de Cristo18.

Além disso, é preciso especificar que Ernest Nolte mostrou nas suas obras como os Gulag de Stalin são bem anteriores aos Lager de Hitler o qual, segundo o historiador alemão, foi essencialmente um anti-comunista e então um antissemita, já que na origem do comunismo marxista e leninista há o judaísmo. Auschiwitz vem depois do Gulag, determinado pelo Gulag19.

Pacelli 1937 e 1845

A nota do Cardeal Pacelli (1937) não está em contradição com o discurso de Pio XII ao Sacro Colégio (1945). Neste ultimo o Papa fala de “spectro satânico do nacional socialismo, […] que era orgulhosa apostasia do Cristianismo”, depois de ter constatado o desenvolvimento histórico do nazismo; enquanto em 1937 o Card. Pacelli e Pio XI esperavam poder salvar ainda o Estado (ou Reich) alemão – com o qual haviam estipulado uma concordata (1933) – e uma parte – menos extremista do Partido nazista, separando desse o grupo mais extremista e anticristão (Rosenberg-Goebbes). Isto era ainda possível em 1933-37, mas o desenvolver-se da história (1939-1945) e talvez as circunstâncias adversas (o judaísmo internacional, a América e o bolchevismo), que empurraram a Alemanha em uma guerra contra todos e conseguiram a exasperação de Vesalhes que foi feita morta pelo próprio Hitler, mostraram a Papa Pacelli que a natureza de uma parte do nazismo, que era no começo tendencialmente anti-cristã entrou em ato e depois de fato, e sob as sujeiras da guerra total e do aniquilamento da Nova Ordem Européia, tomou o barlavento emergindo das circunstâncias bélicas.

PADRE CURZIO NITOGLIA

19 de outubro de 2009

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