P. CURZIO NITOGLIA: O HOMEM ANIMAL POLÍTICO

Contra o erro ‘por defeito’ do Liberalismo-laicista e ‘por excesso’ do Angelismo-clericalista


O HOMEM ANIMAL POLÍTICO
CONDITIO SINE QUA NON PARA A INSTAURAÇÃO  
DO REINO SOCIAL DE CRISTO
Padre Curzio Nitoglia
Tradução: Gederson Falcometa


Atualidade do problema

  • São Pio X na Carta Encíclica Iucunda Sane (Março de 1904) explica que, o meio com que os heterodoxos se infiltram na Igreja, consiste em aplicar uma regra de ação prudencial aos princípios ou aos dogmas, confundindo o plano teórico ou da verdade com aquele prático ou do agir humano. Ora, continua papa Sarto, a prudência é uma virtude moral, que ajuda a aplicar os princípios ao caso prático e a resolver este último a luz do princípio, sem rebaixar o princípio, fazendo o válido somente se praticamente útil. Portanto, transpor prudência ou a prática, confundindo-a no nível dos princípios, é baixar o princípio do nível teórico para aquele prático, o que tem consequências desastrosas: do ponto de vista teórico dilui o princípio e corrói o dogma; do ponto de vista prático pode degenerar se em lassidão ou rigorismo como veremos adiante”. 

  • Infelizmente o catolicismo liberal faz isto mesmo a respeito da doutrina sobre a relação entre Estado e Igreja. Com a desculpa de maior prudência, esse objeta que a doutrina da união hierárquica entre poder temporal e espiritual não é “prudencial” ou “pastoral” no tempo presente. O liberalismo católico ou modernismo social não nega explicitamente o princípio da união entre Estado e Igreja, para não ser expulso da Igreja, mas diz que praticamente ou prudencialmente hoje não é mais oportuno e útil, mas danoso.
  • Para refutar tal erro, é necessário distinguir bem a teoria ou o princípio, que não muda (2+2=4) da prática (tenho 4 maçãs, as posso comer todas juntas ou é mais prudente comer 1 de manhã, 1 depois do almoço, 1 a tarde e outra colocar a parte em caso de necessidade?). Atenção! Distinguir para unir e não para contrapor, na verdade a prática segue a teoria e é a aplicação ao caso concreto e contingente do princípio universal e imutável. Se confundo prática ou prudência (comer 4 maçãs juntas poderia ser indigesto) com o princípio (2+2=4) frustro a imutabilidade deste (e dou lugar a evolução da verdade, do dogma, a Tradição vivente…). Devo evitar também, o erro por excesso de quem não pode calar em prática o princípio e torna um ideólogo sectário, fanático, implacável, sem misericórdia. Ele não pode compreender, por exemplo, se é oportuno gritar em público, em meio a uma estação metropolitana, que Jesus é Rei da Sociedade, ou, talvez em uma aula universitária, hostil, mas atenta. O modernismo politico, ao contrário, peca por defeito de bom senso natural, de Fé e de Esperança sobrenatural e, diante do mundo moderno que é capaz de compreender, mas se opõe a verdade, renúncia por princípio aos princípios.  Por exemplo, em nome da “Tolerância” fecha a “casa de tolerância”. S. Agostinho (grande Santo e gênio excelso) escreve: “Se remove do palácio a rede de esgotos, esse será imerso na lama e irá tornar-se uma “imensa cloaca”. É aquilo que se verificou na Itália (por defeito) com a Lei Merlin, a qual não era uma Santa nem um gênio e deturpou todo lugar, por ter confundido o princípio (a prostituição é um mal) com a prática (bom senso ensina que é menos grave circunscrever o fenomeno da prostituição – chamada “o mistério mais antigo do mundo” – nas “casas fechadas”, mais que deixá-los invadir o mundo inteiro). O sectário (por excesso) não pode aplicar com prudência o princípio (a prostituição é um mal moral) a vida prática (a natureza humana é ferida pelo pecado original, e poucos podem viver na castidade segundo seu estado de vida, enquanto a maior parte, infelizmente, a viola) e então nega a existência as casas de tolerância e condena a pena capital os pecadores (v. o Calvinismo). Enquanto São Pio V em Roma havia feito erigir um inteiro “quarteirão de tolerância” e Jesus disse a adultera vai não te apedrejo mas não deves desejar pecar mais (verdade no justo meio de profundidade entre excesso e defeito), os fariseus por excesso a queriam apedrejar e os modernistas hodiernos justificam por defeito o seu pecado. Do ponto de vista sobrenatural o princípio (por ex. Trindade das pessoas na Unidade da Natureza divina) não muda, era verdade ontem, o é hoje e o será amanhã. Porém é oportuno gritar-lo em meio a uma mesquita ou sinagoga, sem ter sido interrogado a respeito? Ou é mais prudente evitar entrar na sinagoga e na mesquita por própria iniciativa, mas discutir e demonstrar em uma conferência aberta a cristãos, hebreus e muçulmanos? Só em caso de necessidade se deve afirmar o princípio (se me sequestram e me levam a uma mesquita ou sinagoga e me perguntam se creio na Santíssima Trindade devo dizer sim). Se misturo o princípio (Deus Uno quanto a Natureza, mas Trino quanto as Pessoas) a prudencialidade e lhe confundo ou misturo, vence a oportunidade prática sobre a verdade diluída (no mundo hodierno, agora globalizado, é mais útil não falar de Trindade sem negá-la explicitamente e afirmar só a existência de um Deus único para todos, v. Assis 1986-2011). Então chegam a consequências desastrosas (ao menos a renegação prática ou implicita da Fé).
  • Quanto a doutrina social católica sobre a união hierarquizada entre Estado e Igreja, o princípio é sempre válido, precisa saber aplicá-lo na prática, mas não misturar e confundir teoria e prática para chegar a danificar ou adoçar o princípio. Se cairia no utilitarismo liberal ou “comodismo” americanista, condenados por Leão XIII na carta Testem benevolentiae 1889* (primado do útil sobre a verdade e amor imoderado da comodidade). Então, embora sem renegar explicitamente o princípio, o acreditam teoricamente e praticamente inabitual, não possível, nem sequer a longo prazo e lhe renunciam se não de jure ao menos de facto. Para o qual a única estrada percorrível é aquela das concessões, do diálogo com a modernidade, cedendo aos seus falsos princípios modernos, enquanto aqueles da filosofia perene, da teologia escolástica, do Magistério tradicional são reputados, historicamente e não teoreticamente, achado arqueológico, desatualizado, graças a mentalidade historicista que, calando o princípio na sua época histórica e tornando-o um fato cronológico e contingente e não mais um princípio imutável, relativiza tudo.
  • Também no campo social a verdade ou os princípios não se enquadram no campo da ação e do agir prudencial. É necessário aplicar com prudência o princípio imutável da verdade teorética ao caso prático não só individual mas comum, social e político. Todavia não precisa misturar teoria e prática, princípio e ação, dogma e prudência. A verdade pertence a ordem do ser e a prudência aquela do agir. Ora “agere sequitur esse, modus agendit sequitur modum essendi, sed agere non est esse” (o agir segue o ser, o modo de agir segue o modo de ser, mas a ação não é o ser). O modo de agir ou o ato humano prático pode ser incompleto, imperfeito e também mal quando é falso, mas uma verdade teorética não pode ser, por definição, incompleta, imperfeita e falsa, está seria a contradição mesmo subsistente como “o círculo quadrado”, para o princípio de identidade e não contradição (verdadeiro=verdadeiro, falso=falso, verdadeiro ≠falso). A verdade é a conformidade do intelecto a realidade (“adaequatio rei et intellectus”), a ideia é verdadeira se corresponde ao ser, não a ação [1], é falsa se não há correspondência, neste último caso não se tem um conceito imperfeito, mas simplesmente falso ou errôneo, ao invés o ato humano pode ser “menos perfeito daquilo que deveria ser” (imperfeição ou “actus remissus”) ou ligeiramente mal (pecado venial) ou gravemente mal (pecado mortal). É necessário compreender e simpatizar com a fragilidade prática do homem, sem justificá-la e aprová-la, mas a transposição da prudência ao agir na ordem do ser ou da verdade, mediante meias-verdades ou termos equívocos, ambíguos, esmaecimento, imprecisos, os quais, deliberadamente, não são explicitamente errôneos, é ainda mais perigoso para a sã razão e a pureza da Fé.

*

Mons. Antônio de Castro Mayer

  • Na sua Carta pastoral sobre a Realeza social de Cristo em 1978, o bispo brasileiro distingue muito bem a verdade da ação prática, e escreve que “o liberalismo que é o indiferentismo relativista em matéria religiosa e o separatismo social do elemento sobrenatural é a causa da apostasia das Nações”. O Liberalismo laicista, na verdade, propugna por princípio a separação entre a religião e política, Igreja e Estado, como conformemente a sua filosofia subjetivista-relativista uma religião vale a outra e consequentemente o Estado deve ser indiferente em direção a verdadeira religião. Além disso concebe o individuo como um Absoluto, um Fim e nega a dimensão social e criatural do homem, que ao invés é em relação com os outros e com Deus. Destes princípios “teoréticos”, indiferentismo, subjetivismo, individualismo e “práticos”, imanentismo, separatismo, lhe segue necessariamente a separação do Estado da Igreja ou a apostasia política, social e nacional, que é mais grave daquela individual, como matar 1000 pessoas é mais grave que matar uma só. Em breve é o contra reino de Cristo, a contra-igreja ou a “sinagoga de Satanás” (Apoc., II, 9). A doutrina católica ensina a cooperação hierárquica entre Estado e Igreja, para santificar não só o individuo, que por natureza é sociável e relativo a sua Causa. Então a Igreja quer sacralizar a Sociedade civil, união de mais famílias, compostas por vários homens sociáveis, criados e dependentes de Deus. Ao invés o liberalismo laicista quer dessacralizar a Sociedade, como não admite a dimensão criatural e sociável do homem e o angelismo hiper-clericalista quer tornar a religião um fato eminentemente individual e “vocacionado”, negando implicitamente a natureza como Deus lhe criou: homem animal racional, composto de alma e corpo e naturalmente social e não “naturalmente sacerdotal”: seria confundir a ordem natural com aquela sobrenatural. Enquanto o modernismo o faz em detrimento do sobrenatural ou por direito, o híper-clericalismo angelista o faz por excesso em detrimento da natureza, “sed Gratia non tollit natura, supponit et perficit eam”, ensina S. Tomás (S. Th., I, q. 1, a. 8 ad 2[2]). Aqui a causa da apostasia da hora presente: o laicismo-liberal e o angelismo híper-espiritualista, o naturalismo (Racionalismo, Iluminismo, Materialismo e Imanentismo) e o espiritualismo exagerado (Platão/Descartes/Idealismo/Ontologismo).
  • “In principio era Auctoritas et Auctoritas erat a Deo”, recita o adágio escolástico. Na verdade por Revelação “não existe Autoridade se não derivante de Deus”[3]. Ao invés para o liberalismo a autoridade deriva do Homem que é o Fim último de si mesmo (“non est auctoritas nisi ab homine et populo”). O liberalismo é a encarnação da doutrina das “Duas cidades” descrita por S. Agostinho no De civita Dei, “a cidade de Deus composta daqueles que por amor ao Criador reconhecem a si mesmos como criaturas finitas e a cidade de Satanás, composta daqueles que por amor desordenado de si, desprezam a Deus”. A Revolução moderna, o laicismo liberal contrapõe Deus e o homem, como duas pessoas não só distintas mas contrárias e contrapostas, uma autônoma da outra. O homem moderno e contemporâneo grita como Lúcifer “Non serviam!” e como a serpente do Éden insinua “Ero sicut Deus”. A Igreja, que é a ordem ou o contrário da Revolução, a qual é a “própria desordem subsistente por participação”, harmoniza Deus (“a própria ordem subsistente”) e o homem como Pai e Filho, distintos, não contrários nem contrapostos, mas em relação de conhecimento amoroso, altruísta, recíproco e em convivência pacífica mediante a Graça santificante. Daquilo lhe segue que para a Igreja o Estado, o qual naturalmente é o conjunto de homens e famílias, deve dar a Deus o culto oficial e público, porque o Estado é por natureza criatura de Deus. Ao invés o Laicismo ou a modernidade antropocêntrica e revolucionária nega que Deus é criador do homem e a fortiori da Sociedade civil, polis ou civitas. Então, enquanto a Igreja tem uma concepção eminentemente política ou social, dada a natureza sociável do homem criado por Deus, o laicismo, revoltoso e subversivo, odeia a dimensão social (“o outro é o inferno”, dizia J.P. Sartre, certamente os seus escritos foram a motivação de muitos jovens, para o suicidio) e criatural do homem, que o coloca em relação com os outros no Estado e em relação com Deus na Igreja, a qual é uma Sociedade perfeita juridica e sobrenatural, um “Corpo mistico”. Mas a doutrina a-social e liberal – como ensina Pio XII – “é contra natureza” porque quer “obrigar o espírito e a vontade do homem a aderir ao erro e ao mal ou a considerá-lo indiferente”[4], enquanto o intelecto é feito para aderir ao verdadeiro e refutar o falso a vontade para amar o bem e repudir o mal. Na adesão ao erro ou ao mal não só não se tem nenhuma  perfeição ou enriquecimento da natureza humana, mas só degradação da inteligência e da vontade, as quais são as duas faculdades nobres da alma racional e espiritual do homem. O Estado, que é o conjunto de famílias, as quais se unem para obter mais facilmente o próprio fim próximo (bem estar material) e último (viver virtuosamente para unir-se a Deus), não tem o direito de deformar a inteligência e a vontade da alma humana, mas ao contrário deve ajudar o homem a conhecer a verdade e a praticar a virtude. Tudo isto se consegue através da cooperação entre política e religião, Estado e Igreja. Quem os quer separar peca ou por defeito (laicismo liberal: individualismo a-social) ou por excesso (espiritualismo angelístico: o homem é só alma, o corpo é malvado e assim a sociedade ou a polis são um mal a evitar para obter o próprio Fim que é o Céu, somente através da religião, a qual não tem nenhuma valência social)[5]. Mas o homem não é um anjo, é composto de alma e corpo, é feito para viver em Sociedade civil (Estado) e religiosa (Igreja), as quais não devem prescindir uma da outra (erro por excesso: angelismo platônico/cartesiano [6]) ou combater-se (erro por defeito: laicismo liberal-revolucionário), mas cooperar subordinadamente como o corpo e a alma.
  • Como por natureza o homem é um animal racional e livre, (feito para conhecer o verdadeiro e amar o bem) e sociável (feito para viver em Sociedade civil ou política), nem sequer Deus poderia conceder ao Estado e ao individuo, que são uma criatura natural, o poder de contradizer a sua razão de ser ou finalidade (conhecer o verdadeiro, amar o bem, viver em Sociedade politica-natural e religiosa-sobrenatural) e dar-lhes o direito de ser indiferentes ou neutros em matéria de reta razão individual, social e religiosa. A liberdade filosófica ou religiosa é contra a natureza, a tolerância filosófica ou religiosa é sempre um mal que se pode permitir de fato, nunca querer por princípio para evitar um mal maior. Isto o ensina a sã razão, a verdadeira teologia, a Tradição apostólica e o Magistério da Igreja [7]. A ignorância invencível desculpa o individuo do pecado formal, mas não lhe da o direito de fazer publicamente o mal e propagar em foro externo e publicamente o erro, porque objetivamente ele se encontra no erro e no mal, o qual não tem nenhum direito a existência, a propaganda e a ação pública [8].
  • Uma das finalidades da Igreja além da conversão individual das almas é a dilatação do Reino de Deus sobre a terra. Este Reino é “principalmente espiritual, mas secundariamente também de ordem política e temporal” (Pio XI, Quas Primas, 1925). Então a liberdade religiosa é contra a finalidade da Igreja como Cristo há quis, não só é contra a natureza mas também contra a Revelação. A apostasia das Nações de Deus, que foi propugnada pelos homens da Igreja (v. Dignatatis humanae personae, 7 de dezembro de 1965). O ideal ou a meta apostólica a qual todos (leigos e clérigos) somos chamados é a instauração do reino de Deus já sobre a terra, embora se imperfeitamente, para obtê-lo perfeitamente no Paraíso. Então primeiro devemos nos converter verdadeiramente e viver habitualmente na Graça de Deus e então poderemos levar  Cristo na família, no ambiente de trabalho e na Sociedade civil. Isto é a ordem a seguir para “instaurare omnia in Christo” (S. Pio X): se não se é cristão interiormente e verdadeiramente não se pode restaurar a Cristandade (“nemo dat quod non habet”), não se deve começar com a política (“politique d’abord” Charles Maurras) porque isto significaria iniciar a construir uma cada pelo teto e não pelo fundamento. Se é conquistado o poder do Governo e se fazem leis cristãs mas o Governante e os cidadãos não são cristãos, a “restauração” é só exterior e superficial e então dura como um fogo de palha. Mesmo Antônio Gramsci o havia compreendido. Segundo ele, era necessário primeiro conquistar o consenso de uma nação e mudar-lhe a sua mentalidade e depois conquistar a hegemonia e o poder politico, caso contrário, tudo entraria em colapso. A Polis é um conjunto de famílias e de homens, antes vem o individuo que unido a outra forma, uma família, a qual junto a outras famílias formam uma vilarejo e mais vilarejos um Estado. A Civitas ou Polis será cristã e ordenada na sua medida a qual aqueles que lhe fazem parte são ordenadas e cristãs. Só, então, o Estado tem o dever de manter a ordem e proteger a vida virtuosa. Mas não se pode começar com o fim, seria uma contradictio in terminis ou um “contra-senso”, “o princípio = o princípio, o fim = o fim, o princípio ≠ o fim”. Aristóteles (Política) e Santo Tomás (De regime principum) ensinando que “a política é a virtude da prudência aplicada a Sociedade”, enquanto a “prudência individual” se chama “monástica” e aquela ‘familiar’ se diz “economia”. Leão XIII ensina que os primeiros e verdadeiros cristãos “fizeram em pouquíssimo tempo, penetrar o Cristianismo não só nas suas famílias, mas no exército, no senado e por fim no palácio do imperador”[9]. Não começou no Palácio imperial, mas do cristão individual.

 

Mons. Brunero Gherardini [10]

 

  • Mons. Brunero Gherardini abordou o problema da relação entre Estado e Igreja no seu último livro de junho de 2011 “A católica. Lineamentos da eclesiologia agostiniana (Torino, Lindau, 2011) [11]. No capítulo VII de seu livro Mons. Gherardini trata da origem divina do poder civil [12] segundo Santo Agostinho [13]: o governante ou Príncipe deve administrar a res publica como uma atividade voltada ao bem comum, que é fazer os cidadãos conseguirem o bem moral e fazer eles evitarem o mal. A origem – como revela S. Paulo (Rom., XIII, 1) – do poder é divina. O governo, então, é bom se respeita a sua natureza, que é a Causa eficiente da qual tira a Autoridade, que é Deus, e, a causa final que é o bem comum temporal subordinado aquele moral ou espiritual. Caso contrário, não reconhecendo Deus como sua Causa eficiente e não tendo como alvo o viver virtuosamente (natural e sobrenatural) o governo é mal, assim é comparável a “um bando de ladrões” [14]. O bom governante deve, segundo Santo Agostinho e todos os Padres gregos e latinos, colocar-se ao serviço do bem e devem promover socialmente, isto é, junto a Sociedade civil ou Estado a Religião divina [15]. A obediência a Autoridade civil, todavia, é condicionada a ela manter-se na finalidade moral (viver virtuoso) e na dependência de Deus (causa eficiente). Caso contrário, a Autoridade se torna tirania e é lícito resisti-la em certas e determinadas condições (especialmente não tornar a situação posterior pior que a anterior) [16]. Segundo o hiponate o governante cristão não só deve providenciar a paz interna e externa da Sociedade civil, mas também aquela espiritual, isto é o Estado deve favorecer a Igreja na sua missão de expandir o Reino de Deus em todo o mundo [17]. Certamente a Igreja e o Estado não podem constringir a fazer o bem, que não seria mais livre e meritório, mas devem proibir de fazer o mal [18]. Assim, para defender a Fé se pode requerer a intervenção de quem porta a espada. Na verdade se o Príncipe deve punir os criminosos civis, porque jamais se deve impedi-lo de reprimir também os crimes espirituais (a heresia e o cisma)? Considerando que a heresia e o cisma são um mal, até mesmo o máximo dos males, quem porta a espada não pode não se servir dela para lhes reprimir [19]. Santo Agostinho refuta com 1000 anos de antecedência a objeção dos católicos-liberais segundo os quais o homem como individuo independente é religioso, mas como cidadão fazendo parte de um Estado deve ser neutro em matéria religiosa. O hiponate de fato afirma que o Príncipe serve Deus de dois modos: como homem, vivendo a Fé informada pela Caridade, e como Governante fazendo leis conformes àquela divina-natural, fazendo-a respeitar e punindo os transgressores [20].

Conclusão

  • São Pio X na encíclica Iucunda Sane (1904) nos recorda que:

1º) Não precisa confundir e misturar os princípios com a prática, a verdade com as exigências da vida, caso contrário se cai na evolução perpétua da verdade, como queria Maurice Blondel “veritas est adaequatio intellectus et vitae”, na verdade considerando que as exigências da vida humana são contingências concretas e históricas, o intelecto deve se adequar a essas constantes mudanças. A verdade não é mais ancorada na estabilidade e imutabilidade do ser, mas na flutuação e no moto perpétuo do divenire. Ancorar a nave sobre as flutuações móveis das ondas e não sobre o fundo estável do mar. 2º) O cato-liberalismo ou social-modernismo, ao invés, confundem voluntariamente e cientificamente princípios e prática, assim formulam as “meias-verdades” que secretas, como o modernismo qualificado como “foedus clandestinum” ou “seita secreta” por São Pio X (Sacrorum Antistitum, 1º de setembro de 1910). Tais meias verdades são aplicadas não só a filosofia, ao dogma e a moral, mas também na doutrina social e política da Igreja e sobretudo a uniáo hierarquizada entre Estado e Igreja. 3º) Certamente precisa calar o princípio na prática com Prudência, mas a Prudência não é a Fé, o dogma, a verdade ou o ser, essa é a recta ratio agibilium, nos diz como devemos fazer para agir hic et nunc virtuosamente a luz dos princípios imutáveis, sem confundir ser e agir, verdade e prudencialidade. Ao invés para o cato-liberalismo ou o social-modernismo a-dogmático o Princípio ou o Valor máximo, absoluto e universal é “não é preciso exagerar na afirmação da verdade, ocorre esmaecê-la e torná-la aceitável ao homem moderno”. Sem, porém, cair no rigorismo desumano e fanático de quem anula os casos práticos e vêem só os princípios, enquanto a vida é feita de casos práticos e contingentes, que vão resolvidos a luz dos princípios imutáveis e perenes.

  • Mons. De Castro Mayer na sua “Carta pastoral sobre o Reino social de Jesus Cristo” (1978) nos recorda que:

1º) O homem é uma união da alma, corpo e sociabilidade, contra o angelismo super-espiritualista contra o materilismo super-laicista de direita (liberalismo) e de esquerda (socialismo). 2º) A Autoridade vem de Deus e não do homem ou do povo que usurparia, assim, o lugar do Criador. 3º) Aderir ao falso e fazer o mal não é verdadeira liberdade, mas é um defeito contra a natureza dessa,  porque a alma humana é naturalmente fornecido do intelecto feito para conhecer o verdadeiro e recusar o falso, e de vontade, feita para amar o bem e fugir do mal. 4º) Considerando que Deus é a própria perfeição subsistente, não pode fazer o mal, que seria uma imperfeição. Então nem sequer Deus pode conceder a liberdade as falsas religiões, o direito a liberdade de opinião, que são contra a natureza e intrisecamente perversos. 5º) A ordem cronológica a seguir para “instaure omnia in Christo” é antes de tudo a conversão pessoal (nemo dat quod non habet), em seguida aquela da família, então o vilarejo e enfim o Estado. Se a ordem é invertida como fez Charles Maurras (‘politique d’abord’) e se parte do Estado, sem primeiro ter formado verdadeiros cristãos, famílias e vilarejos sinceramente cristãos, se tem um teto sem casa e sem fundamento; um móvel  roído pelo caruncho, um braço engessado, mas doente internamente de gangrena, que antes ou em seguida explodirá e fará entrar em colapso a engessadura; uma ossadura jurídica do Estado que tem uma aparência cristã, mas sem alma e sem substância. Leão XIII (Immortale Dei, 1885) e São Pio X (Notre Charge Apostolique, 1910) nos recordam que “a Cristandade já existia, não é preciso inventar uma nova, mas instaurar e restaurá-la incenssantemente contra os assaltos da impiedade” (S. Pio X) e que o Evangelho “primeiro penetrou as almas dos cidadãos, das famílias e do exército romano até chegar, enfim, também ao Palácio imperial” (Leão XIII).

  • Mons. Gherardini abordou o problema da relação entre Estado e Igreja no seu último livra A Católica. Lineamentos da eclesiologia agostiniana de 2011. 1º) O Estado deve ser subordinado a Igreja como o corpo a alma, a matéria a forma, a potência ao ato, o divenir ao ser. Santo Agostinho – junto a todos os Padres eclesiásticos – ensinou a doutrina da cooperação em hierarquia entre Estado e Igreja. Mons. Gherardini compendiou no seu último volume estes princípios sobre a Igreja em si e em relação à Societas ou Polis. 2º) A Igreja “não pode não fazer política” (São Pio X), que não é partidarista mas é a virtude da Prudência aplicada a Sociedade civil, sendo o homem um “animal social por natureza” (Aristóteles e Santo Tomás). 3º) O Estado deve ser subordinado a Igreja como o corpo a alma, a matéria a forma, a potência ao ato, o divenir ao ser. Santo Agostinho – junto a todos os Padres eclesiásticos – ensinou a doutrina da cooperação em hierarquia entre Estado e Igreja.

d. Curzio Nitoglia

19 agosto 2011

http://www.doncurzionitoglia.com/uomo_animale_politico.htm

[1] O modernismo mudou a definição de verdade: não mais conformidade do intelecto ao ser (“adaequatio rei et intellectus”) ou realidade objetiva e extramental, mas conformidade do pensamento as exigências da vida (“adaequatio intellectus et vitae”), que evolui continuamente e, portanto, com isso muda também a verdade.

[2] Cfr. também S. Th., I, q. 62, a. 5: II-II, q. 26, a. 9, arg. 2; III, q. 69, a. 8, arg. 3.

[3] Ro[4] Pio XII, Discurso a V Conferência Nacional da União dos Juristas católicos italianos, 6 de dezembro de 1953. m., XIII, 1.

[4] Pio XII, Discurso a V Conferência Nacional da União dos Juristas católicos italianos, 6 de dezembro de 1953.

[5] É fácil reconhecer nestas teorias a marca do gnosticismo, do maniqueísmo e da cabala.

[6] Se note bem como o angelismo assinala o início da modernidade filosófica com Descartes (+ 1650), segundo o qual o homem é só alma acidentalmente unida ao corpo, como um cavaleiro ao cavalo. Tal espiritualismo exagerado, que nega a composição substancial de alma e corpo, Descartes o pega emprestado de Platão, mas sem o conceito de “participação”, que Platão havia esboçado e que Santo Tomás aperfeiçoou havendo-o unido ao conceito de participação criatural do Ser por essência e aquele aristotélico de ser como ato último de toda essência (superando, todavia, o mesmo Aristóteles, que tinha parado no sol essência e não alcançou a perfeição ultima que é o actus essendi). O Aquinate soma Platão e Aristóteles, e os aperfeiçoa através do conceito de participação no Ser per essentiam e do ato de ser como perfeição última de toda forma ou perfeição inicial.

[7] S. GREGORIO NAZIANZENO (+ 390), Hom. XVII; S. JOÃO CRISOSTOMO(+ 407), Hom. XV super IIam Cor.; S. AMBRÓSIO (+ 397), Sermo conta Auxentium; S. AGOSTINHO (+ 430), De civitate Dei  (V, IX, t. XLI, col. 151 ss.); S. GELÁSIO I (+ 496), Epist. ad Imperat. Anastasium I; S. LEÃO MAGNO(+ 461), Epist. CLVI, 3; S. GREGÓRIO MAGNO (+ 604), Regesta, n. 1819; S. ISIDORO DE SEVILHA (+ 636), Sent., III, 51; S. NICOLAU I, Epistul. Proposueramus quidam (865); S. GREGÓRIO VII (+ 1085), Dictatus Papae(1075), I epístola a Ermanno Bispo de Metz (25 agosto 1076), II epístola a Ermanno (15 marzo 1081); URBANO II (+ 1099), Epist. ad Alphonsum VI regem; S. BERNARDO DE CLARAVAL(+ 1173), Epístola ao papa Eugênio III sobre as duas espadas; INOCÊNCIO III (+ 1216), Sicut universitatis conditor (1198), Venerabilem fratrem (1202), Novit ille (1204);INOCÊNCIO IV (+ 1254), Aeger cui levia (1245); S. TOMÁS DE AQUINO (+ 12074), In IVum Sent., dist. XXXVII, ad 4; Quaest. quodlib., XII, a. 19; S. Th., II-II, q. 40, a. 6, ad 3; Quodlib. XII, q. XII, a. 19, ad 2; BONIFÁCIO VIII(+ 1303), Bolla Unam sanctam (1302); CAJETANUS (+ 1534), De comparata auctoritate Papae et Concilii, tratt. II, pars II, cap. XIII; S. ROBERTO BELLARMINO (+ 1621), De controversiis; F. SUAREZ (+ 1617), Defensio Fidei catholicae;.GREGÓRIO XVI, Mirari vos (1832); PIO IX, Quanta cura eSyllabus (1864); LEONE XIII, Immortale Dei (1885), Libertas (1888); S. PIO X, Vehementer (1906); PIO XI, Ubi arcano (1921), Quas primas (1925),PIO XII, Discurso aos juristas Católicos Italianos, 6 dicembre 1953.

[8] Pio XII, Discurso a V Conferência Nacional da União dos Juristas católicos italianos, 6 de dezembro de 1953.

[9] Immortale Dei, 1885.

[10] Mons. Brunero Gherardini nasceu em 10 de fevereiro de 1925 em Prato, realizou os estudos colegiais em Ivrea próximo dos Salesianos e foi ordenado sacerdote em 29 de junho de 1948 Pistóia. Estudou filosofia com Padre Cornélio Fabro (+ 1995) com Mons. Antônio Piolanti (+ 2001) e o Cardeal Pietro Parente (+ 1986) com o qual se formou. Foi Consultor da “Sagrada Congregação das Causas dos Santos”; Oficial da “Sagrada Congregação dos Seminários”; Professor Ordinário de Eclesiologia na Universidade Lateranense; Responsável pela “Pontifícia Academia Teológica Romana” e da “Pontifícia Academia de Santo Tomás”; desde 1994 é Canônico da Basílica de São Pedro e a partir de 2001 Diretor da Revista teológica “Divinitas” fundada por Mons. Piolanti.

[11] Lindau editora: Corso Re Umberto, n. 37, 10128-Torino;www.lindau.it.

[12] B. Gheradini, A Católica, cit., p. 147.

[13]  S. Aug., Contra Faustum manichaeum, XXII, 75; Id., De civitate Dei, IV, 4 e V, 1; Id., Serm., 358, 6.

[14] S. Aug., De civitate Dei, IV, 4: “Remota iustitia, regna sunt magna latrocinia”.

[15] S. Aug., Contra Cresconium, III, 51, 56; Id., De civitate Dei, V, 24.

[16] S. Aug., De catechizandis rudibus, 21, 37. I “rudes” não são os “brutos”, mas aqueles que ainda não conhecem a doutrina cristã.

[17] S. Aug, Contra Cresconium, II, 19; III, 51-56.

[18] S. Aug., Contra litteras Petiliani, II, 38, 183-184.

[19] S. Aug., Contra epistulam Parmeniani, I, 10, 16.

[20] S. Aug., Epist., 185, 5, 19.

 

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