DON CURZIO NITOGLIA: O SENHOR DO MUNDO, BENSON






MUNDIALISMO, BENSON, ORWELL
E O CARDEAL NEWMAN


O SENHOR DO MUNDO
1a parte


Don Curzio Nitoglia
Tradução: Gederson Falcometa



“Em muitos pontos, os hereges estão comigo, em  outros pontos não; mas por causa destes poucos pontos nos quais se separam de mim, a eles não serve de  nada  estar comigo em todo o resto”
(S. Aug., In Psal. 54, n. 19; PL 36, 641).

Prólogo


No artigo precedente tratei da Europa de Maastricht como tentativa de construir o “mundialismo”, a “globalização” e de instaurar a “Nova Ordem Mundial”, comentando o livro de Ida Magli, A ditadura europeia (Milão, Rizzoli, 2010). Agora vou resumir o que foi escrito por dois literatos ingleses em 1907 (Benson) e em 1948 (Orwell), e retomar um discurso publicado pelo L’Osservatore Romano em 14 de maio de 1879 sobre o liberalismo como principal inimigo do catolicismo, que foi feito em 13 de maio do mesmo ano pelo Card. John Henry Newman. Surpreendentes as suas intuições sobre aquilo que seria a sociedade liberal e globalizada, na qual tudo é lícito, exceto a verdade e o bem, na qual nos encontramos vivendo hoje, como demonstrado pelo livro de Ida Magli e pelos acontecimentos que se desenvolveram sob os nossos olhos.
(1a parte)
*
BENSON E “O SENHOR DO MUNDO”

 Robert Hugh Benson nasceu na Inglaterra em 1871 e morreu em 1914. Era o quarto filho do Arcebispo anglicano de Canterbury e se converte ao Catolicismo em 1903 aos 32 anos; no ano sucessivo foi ordenado sacerdote. Escreveu numerosos livros sobre a vida dos santos em caráter histórico-ascético para enquadrar e resolver a dicotomia entre protestantismo, mesmo o mais conservador como aquele anglicano, e o catolicismo romano. Os seus livros tem então, uma forte carga apologética e uma enérgica vis polemica (luta para estabelecer a verdade e refutar o erro) evitando toda confusão irênica (cessação de toda disputa voltada a busca da verdade sob a acusação de pacifismo). O livro do qual me ocupo no presente artigo (“O senhor do mundo”) foi escrito em 1907, o ano da condenação do modernismo com a Pascendi de São Pio X, e foi traduzido e publicado em italiano pela primeira vez em 1921 em Florença. Em 1987 graças ao interesse do Card. Giacomo Biffi foi reeditado pela Jaca Book de Milão com três edições (1997 e 2008) e dezesseis reimpressões. Benson, com um estilo verdadeiramente admirável, retoma o tema desenvolvido por São Pio X na sua primeira encíclica E supremi apostolatus cathedra de 1904, na qual o Papa Sarto observava que os males que circundam o mundo e a Igreja são de tal forma graves, que fazem pensar que o Anticristo esteja já presente nele.



Os erros do mundialismo porvir e já vindo

Benson prevê que em torno dos anos Vinte-Trinta, a maçonaria adquirirá um poder sempre mais vasto na Europa como na América e no Oriente, assim poderá unificar todo o mundo em torno de 1989 (ano em que “caiu” o mundo de Berlim) e aplanar a vinda final do Anticristo. Os males que levam a tal desastre são elencados por Benson com precisão e lucidez: crítica histórica e unicamente filológica da Bíblia não mais considerada um Texto sagrado, divinamente inspirado e portanto, provido de inerrância; sentimentalismo religioso e liberalismo, que sob aparência de “pensamento independente” torna os homens pelo contrário, realmente escravos da mentalidade comum e das paixões; o nascimento do modernismo (p. 7). No mundo dos anos Trinta teria permanecido apenas três tipos de religião: o catolicismo, o humanitarismo filantrópico liberal-maçônico e as religiões esotéricas extremo orientais. As últimas duas formas são unidas pela tendência ao panteísmo antropocêntrico e se encontram em total oposição com o catolicismo que é teocêntrico e acredita em um Deus pessoal e transcendente ao mundo (p.10). O catolicismo decaí sempre mais, o mundo não quer mais escutar, entender e aceitar, e o abandona, inebriado pelo delírio de onipotência dado-lhe pelo panteísmo antropotrolátrico e pelo “culto do Homem” (p.11). A religiosidade vitoriosa do Vinte até ao 1989 é uma espécie de humanitarismo filantrópico: privado do sobrenatural, «sofre a influência da maçonaria: o homem é Deus» (p. 11). A psicologia tomou o lugar do puro e simples materialismo marxista e busca substituir a espiritualidade do catolicismo com um substituto psicanalítico imanentista (p. 12).


O Autor exclama:«estamos quase perdidos e estamos nos dirigindo a uma catástrofe para a qual devemos estar preparados […] até que não retorne o Senhor» (p. 12). Mas infelizmente hoje os profetas do otimismo irrealista e exagerado, que condenaram “os profetas de desventura”, não querem sentir a voz de Benson que, qual novo Laoconte, colocava em guarda os católicos contra o modernismo qual “cavalo de Tróia” introduzido pelo inimicus homo na Cidade de Deus. Ele admite realisticamente que no mundo católico existe o mal, mas também o bem, existem conventos dissolutos, mas também observantes e vizinhos ao Senhor (p.12). Não é um daqueles fariseus maniqueus que veem tudo e apenas bem por uma parte e tudo e apenas mal da outra. Se o Cristianismo é a verdadeira religião divinamente revelada, nem todos os cristãos lhe são fiéis, pelo contrário. Mas mesmo o humanitarismo, que promete hipocritamente paz e cessação de “guerras de religião”, tem os seus excessos, os quais supera até mesmo aqueles dos piores cristãos. Na página 13, Benson prevê já em 1907 o “Parlamento Europeu”, o qual assinala o fim do são patriotismo e através da democracia-social funda a anti-igreja-católica. Ele também nos coloca em guarda, contra o aparente desenvolvimento técnico, que, se desordenado e desviado do Fim ultimo, esconde muitas armadilhas que insidiaram a fé dos cristãos (p.16). 

O culto do homem

Não pode escapar ao leitor o juízo diverso realizado por São Pio X e por Benson sobre o culto do Homem como constitutivo da contra-Igreja e do reino do Anticristo, e aquele realizado por Paulo VI e João Paulo II, que pelo contrário viram no antropocentrismo e no culto do homem o coração do Concílio Vaticano e tentaram conciliar o inconciliável (transcendência e imanentismo, teocentrismo e antropocentismo, teísmo e panteísmo) [1]. O Anticristo de Benson se apresenta sob as aparências de solidarismo, de pacifismo aguerrido contra a religião cristã, que seria “portadora da espada e não da paz”, de humanitarismo naturalista, que abole a pena de morte e institui o “Ministério da eutanásia”, sendo a morte não mais o início da vida eterna, mas o retorno do indivíduo ao “Todo” (p.36), que substituí a espiritualidade com a psicologia. O todo no quadro do mundialismo mais radical:«a unidade impessoal, o anulamento do indivíduo, da família, da nação no mundo» (p. 25). O homem é tudo, é “Deus”; não existe um Deus transcendente, mas ele é imanente ao mundo e apenas a cooperação solidária de todos os homens pode evoluir continuamente para melhor (p. 26).

A perseguição física

Esta contra-igreja naturalista e pacifista desencadeia bem rápido uma cruenta perseguição contra o cristianismo, que já perdeu muitos consensos a favor do humanitarismo. Benson nos descreve então, o “Corpo místico na agonia”, propriamente como Jesus Cristo, e o Homem que grita para a Igreja:”salvou os outros, não pode salvar a si mesma?” (p.48). Nem mesmo do Céu desce, naqueles momentos trágicos, uma palavra para animar os fiéis perseguidos e martirizados. A maçonaria e o democratismo, mais que o comunismo agora ultrapassado pelo liberalismo econômico, são a força oculta que manobra a religião do Homem e a perseguição da Igreja de Deus (p. 51). O estado da humanidade na “Nova Ordem Mundial” vem descrito por Benson como uma “cópia muito similar aos círculos superiores do Inferno” (p.123). Entretanto, Roma (p. 211) é destruída por um bombardeio comandado pelo Anticristo, o Papa e quase todos os cardeais morrem e o novo Papa se refugia em Nazareth, onde continua com apenas 12 cardeais a sua missão de governar a Igreja com Bispos, sacerdotes e fiéis espalhados em todo o mundo e prontos para o martírio, que podem pregar e celebrar os sacramentos apenas em privado, sob pena de morte. Na página 170, Benson nos descreve o “novo culto” imposto pela maçonaria e pelo Anticristo a nova Humanidade, que ama os prazeres, as riquezas e as honras, ao contrário do cristianismo que ensina a amar a cruz, a pobreza e a humildade.
Tal “novo culto” é uma paródia ou um substituto da Missa Católica, é o culto do Homem, que tem necessidade de certo cerimonial para professar a “Religião do Futuro”, o ‘espírito do mundo’, espoliado de toda ideia sobrenatural e da graça santificante. Como não pensar no Novus Ordo Missae, o novo culto da religião antropocêntrica do Vaticano II? É impressionante ver como 100 anos antes daquilo que estamos vivendo, seja a nível político ou religioso, Benson tivesse já intuído quase tudo e quase nos mínimos detalhes. Um dos personagens do romance de Benson (a senhora Mabel) se da conta que a nova fé pacifista e humanitarista não é melhor que a intransigência cristã, antes talvez seja carregada de maior ódio e crueldade do que aquelas manifestadas por alguns ou muitos cristãos no curso dos séculos (p. 220). Como acreditar que «aquela besta selvagem, com sangue [dos cristãos martirizados] que saia das suas unhas sedentas de violência, fosse a Humanidade nova? Isto é, aquilo que ela chamava o seu Deus? ”?» (p. 231). Benson distingue bem o Cristianismo dos cristãos, que nem todos sempre viveram o cristianismo segundo o espírito de Cristo e ofereceram ao Humanitarismo a desculpa para substituir o Cristianismo identificado-o com os maus e falsos cristãos (clero e laicato).

Ultimo ato

A ultima parte do livro é intitulada “A vitória” (p. 242). Essa se consuma em Nazaré, quando o Anticristo identificou o lugar onde se refugiou o ultimo Papa e o Colégio dos cardeais e decide bombardeá-lo como havia feito com Roma. Mas propriamente quando as aeronaves se aproximam de Nazaré e destroem cada coisa, o retorno de Cristo aniquila também o Anticristo e as suas armadas. A vitória do Cristianismo como aquela de Cristo se eleva e se renova na cruz e na aparente derrota.

Conclusão

O quadro descrito em 1907 por Benson parece a prefiguração poética, daquilo que escreveu Ida Magli em 2010 sobre os perigos para o catolicismo romano por parte de uma Europa que  engloba as nações em uma ótica mundialista. Os erros descritos pelo Autor partem daqueles que já existiam na sua época e são levados as suas lógicas conclusões. Ele enumera o liberalismo, a maçonaria e o modernismo, que já tinham sido condenados por Gregório XVI, Pio IX, Leão XIII e São Pio X. Destes três erros principais derivam, como da sua fonte, outros mais específicos: a crítica puramente histórico-filológica aplicada a Bíblia, a experiência ou o sentimento religioso, o panteísmo, o democratismo rosseauniano como única forma de governo, já condenados pelos mesmos Pontífices. Então, Benson prevê quais seriam as consequências que o mundo teria tirado de tais premissas: o Culto do Homem como religião pan-ecumênica e mundialista, caracterizada por um humanitarismo puramente filantrópico e naturalista, o solidarismo, a psicanálise no lugar da ascética e da mística, o esoterismo orientalizante, um aparente pacifismo otimista, mas realmente e hipocritamente aguerrido apenas contra o Verdadeiro e o Bem, um novo culto para-maçônico para mundializar e globalizar definitivamente as pessoas reduzidas a massa. Daqui a “Nova Ordem Mundial” e o Reino do Anticristo, que ao início se apresenta sob aparência de cordeiro, mas depois tira a máscara e mostra a natureza sanguinária do lobo. Quando tudo aparece perdido (o Papa morto junto aos Cardeais e os cristãos martirizados crudelissimamente em toda parte do globo), aqui a segunda vinda de Jesus ou Parusia. Em um momento a situação se transforma: o Anticristo é morto junto aos seus supostos para ser lançado no inferno, enquanto os perseguidos por este mundo e pelo seu “Senhor” encontrando a “morte primeiro” entram no Reino dos céus. Nestes anos de desolação e desorientação para nós católicos, estas páginas são um bálsamo aromatizante que nos convidam a levantar a cabeça e atender com confiança a salvação que vem do Altíssimo.
d. CURZIO NITOGLIA

27 de dezembro de 2010

 

Notas:
[1] Em Gaudium et Spes n° 24 se lê que «O Homem sobre esta terra é a única criatura que Deus quis por si mesma (propter seipsam) Papa Montini chega a proclamar: «a religião do Deus que se fez homem se encontrou com a religião (porque tal é) do homem que se fez Deus.O que aconteceu? Um combate, uma luta, um anátema? Tal poderia ser; mas não aconteceu. […]. Uma simpatia imensa para todo homem invadiu todo o Concílio. Dá nos mérito ao menos nisto, vós humanistas modernos, que recusam as verdades, as quais transcendem a natureza das coisas terrestres, e reconheceste o nosso novo humanismo: também nós, mas que todos, temos o culto do homem».(Cfr. Enchiridion Vaticanum. Documento del Concilio Vaticano II. Texto oficial e tradução italiana, Bolonha, Edições Dehoniane Bolonha, 9a ed., 1971, Discursi e messaggi, pp. [282-283]).

Karol Wojtyla em 1976 quando ainda Cardeal, pregando um retiro espiritual a Paulo VI e aos seus colaboradores, publicou em italiano com o título de Sinal de contradição. Meditações, (Milão, Vida e pensamentos, 1977), inicia a meditação “Cristo revela plenamente o homem ao homem” (cap. XII, pp. 114-122) com Gaudium et Spes n. 22 e assevera: “O texto conciliar, aplicando à sua volta a categoria do mistério ao homem, explica o caráter antropológico ou até antropocêntrico da Revelação oferecida aos homens em Cristo. Esta Revelação se concentra sobre o homem […]. O Filho de Deus, através da sua Encarnação, se uniu a todos os homens, e tornou-se – como homem – um de nós. […] Aqui estão os pontos centrais a que se poderia reduzir o ensinamento conciliar sobre o homem e sobre seu mistério” (pp. 115-116). Em suma, este é o concentrado dos textos do Vaticano: culto do homem panteísmo e antropocentrismo idolátrico. Não o digo eu, mas Karol Wojtyla, a luz de Paulo VI e do Concílio Pastoral por ele terminado, ou seja, os intérpretes ‘autênticos’ do Vaticano II.

Papa João Paulo II afirma na sua segunda encíclica (de 1980), “Dives in misericordia”, n. 1: “Enquanto as várias correntes do pensamento humano no passado e no presente eram e continuam a ser propensas a dividir e a até contrapor o teocentrismo e o antropocentrismo, a Igreja [conciliar, NDR.] […] busca conectá-los […] de forma orgânica e profunda. E este é um dos pontos fundamentais, e talvez o mais importante, do magistério do último Concílio”. Mais uma vez, não é a interpretação radical do Concílio, mas é o próprio ensinamento conciliar a ser gravemente errôneo.

·        Naquilo que diz respeito a hermenêutica da continuidade entre Vaticano II e Tradição apostólica, essa não é uma invenção restauradora de Bento XVI como alguns tradi-ecumenistas querem fazer crer, pois dela Paulo VI já havia falado na ‘Declaração conciliar’ de 6 de março de 1964, repetida em 16 de novembro de 1964: «dado o caráter pastoral do Concílio esse evitou pronunciar de modo extraordinário dogmas dotados da nota de infalibilidade; mas esse todavia muniu os seus ensinamentos com a autoridade do supremo magistério ordinário, o qual magistério ordinário e assim claramente autêntico deve ser acolhido docilmente e sinceramente por todos os fiéis, segundo a mente do Concílio acerca da natureza e dos escopos dos singulares documentos» (cfr. “Audiência geral de quarta-feira; 12.01.1966). Além disso, na ‘Audiência ao Sacro Colégio Cardinalício , de 23 de junho de 1972, Paulo VI denunciou uma falsa e abusiva interpretação do Concílio, que seria uma ruptura com a Tradição, também doutrinal, chegando ao repúdio da Igreja pré-conciliar, e a licença de conceber uma “nova” Igreja, quase reinventada do seu interior, na constituição, no dogma, no costume e no direito».

Para Bento XVI  o Concílio deve ser interpretado sem descontinuidade, mas acolhendo lealmente os elementos de reforma e de renovação. Quando insiste – No ‘Discurso a Cúria romana’, de 22 de dezembro de 2005 – sobre o fato que a «descontinuidade», ou quando afirma que não existe descontinuidade entre tal precedente Magistério e a Dei Verbum na exortação apostólica Verbum Domini, quando ensina que da modernidade são recusados os erros, mas acolhidas as instâncias, quando, sobretudo, recorda que para exercitar um ministério na Igreja «de forma legítima» e em plena comunhão com o Romano Pontífice, é necessário «a aceitação do Concílio Vaticano II e do magistério pós-conciliar dos Papas» (‘Carta aos Bispos da Igreja Católica a respeito da remissão da excomunhão dos 4 bispos consagrados pelo Arcebispo Lefebvre’, de 10.03.2009), continuar a pedir ao papa atual «um aprofundado exame do Concílio Vaticano», acreditando que o queira fazer de maneira conforme a Tradição, significa não levar a sério Bento XVI, si mesmo e os fiéis. Papa Ratzinger não tem nenhuma intenção de rever e corrigir o antropocentrismo radical e fundamental do Vaticano II, o disse e escreveu explicitamente  agora são apenas os tradi-ecumenistas que fingem não entendê-lo. 
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