JEAN MADIRAN: A DIREITA É UMA INVENÇÃO DA ESQUERDA

Auguste Couder: Versailles, 5 de maio de 1789, abertura dos Estados-gerais

Jean MadiranTradução: Gederson Falcometa

A distinção entre direita e esquerda é uma iniciativa da esquerda, feita pela esquerda em seu proveito próprio, para arruinar o poder ou para nele se estabelecer.

Existe uma direita, por outro lado atônita de sê-la e mal consenciente, na medida em que a esquerda a forma, a designa e se lhe opõe. As coisas começam, ou recomeçam, propriamente assim, nunca em sentido inverso. Aqueles que instauram ou relançam o jogo “direita-esquerda” fazem esses mesmos parte da esquerda e delimitam uma direita, para exclui-la e combatê-la. Em um segundo tempo, a direita assim designada e individuada, serra as filas, de ordinário nem tempestiva e nem eficazmente, se organiza, se defende, contra-ataca, algumas vezes com sucesso: não é jamais a outra que defende e contra-ataca e faz represália.

Esta forma de luta política era desconhecida antes de 1789.

De nenhuma parte antes de 1789 se viu formar uma direita que se colocava na oposição, que tomasse a iniciativa da divisão e da luta, designasse uma esquerda e abrisse contra essa a hostilidade.

É de direita aquele que à esquerda designa ou denúncia como tal: o contrário não é nunca verdadeiro. Designação e denúncia implicam critérios que variam muito segundo os tempos e os lugares: hoc volo, sic jubeo [1] soberanamente arbitrário e isso é evidente. Não existe uma distinção objetiva entre direita e esquerda, uma distinção que seja causa da sua constituição em grupos políticos. Existe em sua origem um ato de vontade pura, que instaura o jogo “direita-esquerda” ou, mais exatamente, o jogo “esquerda contra direita”. Aqueles que inventam, impõem, dirigem e arbitram este jogo são homens de esquerda. Aqueles que o recusam ou o sofrem, de qualquer maneira, não chegam jamais a controla-lo são os de direita.

A esquerda se define por si e a direita é designada pela esquerda. A esquerda lança o jogo “esquerda contra direita” e fixa as regras do jogo. A direita percebe mais ou menos claramente que é constrita ao jogo sem poder lhe modificar as regras. A direita, mesmo extrema, quando é enganada ou traída por um Paul Reynaud , um Charles de Gaulle ou um Giscar, dizem eles que cedem a esquerda, que lhe aplicam o programa, que desertam. Mas não dizem que um Paul Reynaud [2], um Charles de Gaulle ou um Giscard [3]se tornaram homens de esquerda; e, se o dizem, o dizem em vão; perfeitamente em vão. Não lhes coloca a esquerda. A direita não lhe tem o direito, nem a possibilidade; não é a direita que coloca as etiquetas.

É a esquerda, pelo contrário, que gesta e arbitra o jogo por ela inventado sobre medida para o seu próprio lucro: essa posiciona a direita que quer, como quer, segundo a ocasião e interesse tático. Coloca a direita o velho socialista Pierre Laval [4] e o velho socialista Mussolini, representa Hitler, demagogo e revolucionário, como homem de direita. Como homem de direita, Charles de Gaulle, subido ao poder em 1944 com os comunistas, com os quais governou. A esquerda dispõem à esquerda a seu beneplácito a nomenclatura.

O exemplo democrata-cristão é o mais significativo. Diretiva constante desta corrente política do século XX, de Marc Sangnier [5] a Montini [6], é romper a solidariedade existente entre o Cristianismo e a direita, combater o conservadorismo, o imobilismo e a reação. Portanto, não é admitido na esquerda aquele ao qual à esquerda congratula: e o faz a título provisório. Lá onde a esquerda o decida, o substitui a direita com extrema facilidade com a qualificação de “direita conservadora” e “clerical”. Isto acontece cada vez que a corrente democrata-cristã tenta manifestar no seio da esquerda uma atitude autônoma em contraste com a linha dominante do progressismo maçônico e filo-comunista. O estado do serviço passado, os obséquios precedentemente feitos não contam mais nada.

Não contam nada, portanto, o haver prestado mãos e coração a maior parte das empresas históricas nas quais se reconhecem os homens de esquerda: aos milhares de assassinatos terroristas durante a guerra mundial, a sua constante glorificação política, moral e religiosa nos últimos 30 anos, falseando a verdade, mentindo as consciências, porque estes crimes eram crimes, e nenhuma finalidade de resistência aos crimes do ocupante vale para lhes justificar ou lhes desculpar; estes crimes não eram atos legítimos de guerra e coragem, mas ignóbeis, na sua clandestinidade anônima e indistinguível, como o foi distintamente, diante de todo um povo e diante da história, o assassinato de Phillippe Henriot [7]: se este assassinato tivesse sido um ato de guerra corajoso e legítimo, porque jamais se condecoraram os autores?     

Não vale nada para a corrente democrata-cristã haver prestado mãos e coração, depois da guerra, as dezenas de milhares de execuções sumárias, aos massacres, as espoliações, ao confisco, operada pela aliança entre gaullistas e comunistas, de imprensa, de editoras, a condenação a morte de Robert Brasillach [8], e a prisão perpétua de Charles Maurat, a morte em cárcere do mais velho prisioneiro do mundo, o marechal Pétain. Para o rapto e assassinato do Duque de Enghien, Napoleão Bonaparte se tinha “feito Convenção” [9]: mas lhe era plenamente envolvido. A corrente democrata-cristã, como que seja, vem da direita porque vem do catolicismo; mesmo multiplicando os assassinos do Duque de Enghien não pode obter outra coisa da esquerda que um reconhecimento condicionado revogável a cada momento.

Revogado quando mostra repugnância a liberdade de aborto.

Mesmo o democrata-cristão Montini, tanto apreciado pela esquerda como um espírito exemplarmente moderno, tolerante, aberto e democrático e, considerados quais foram os seus serviços, como eficaz companheiro de estrada nas sortes do humanismo e do progresso, bastou-lhe apenas recusar a colaborar com a legalização universal do aborto, e eis que para a esquerda ele torna-se novamente um pontífice reacionário, um homem de direita, uma sobrevivência anacronista do despotismo clerical.

E o contrário não é verdadeiro: a direita subvenciona se prova a rejeitar a esquerda os democratas-cristãos, com o fim de tolher uma certa ambiguidade centrista e cortar este canal de hemorragia eleitoral da direita para a esquerda. A direita nunca consegue; esta constata o seu fracasso assistindo ao deslizamento de parte notável dos seus sufrágios que se derramam regularmente sobre democratas-cristãos. Esses votos, apenas a esquerda pode entrega-lo a direita, aceitando claramente a Democracia Cristã no seu seio. Mas por essas e outras razões não lhe aceita muitas vezes e nem voluntariamente.

Consequentemente a Democracia Cristã seria já defunta se um aggiornamento, sobrevindo no momento oportuno, não o tivesse reanimado e remetido a honra do mundo com a denominação de “socialismo cristão”.

Portanto se decide ser de esquerda, enquanto se aceita, mais ou menos favoravelmente, ser de direita.

Se decide e se escolhe ser de esquerda para participar do jogo “esquerda contra direita”. Mas se padece o fato de ser considerado de direita e se deveria preferir não participar do jogo.

E somente em um segundo tempo e em um outro sentido que se escolhe ser de direita. Para combater, esta vez, a esquerda e o seu jogo contra a direita, e, mais, para fazer cessar o jogo. Isto porque o jogo é sempre e somente “esquerda contra direita”, nunca o contrário. A regra do jogo é marcha contra a direita e não vice-versa.

Às vezes alguém quer fazer da direita uma outra esquerda. Uma esquerda contra a esquerda; combater a esquerda com o mesmo estilo com o qual a esquerda combate contra a direita. Sem entender que este este combate e esta maneira de combater são a essência da esquerda, o seu crime, o pior dos males políticos, o mais mortal para a sociedade civil.

Se é de esquerda para organizar uma agressão; contra a injustiça, afirma a esquerda, e muitas vezes tem razão. Mas a mobilização ideal contra a injustiça é abstrata, se concretiza em uma guerra contra os responsáveis, efetivos ou supostos, da injustiça; e em uma estratégia simultaneamente pensada para apropriar-se do poder, de todos os poderes, tidos como indispensáveis para vencer a injustiça até as suas causas. Assim, a esquerda se constituí revolucionária e se constituí com o fim de arruinar homens e instituições que estão no Estado, nas profissões e na sociedade.

O fronte disto é primeiro da direita por legítima defesa: primeiro por si mesma de modo a devolver golpe sobre golpe resultando apenas normal. Legítima defesa, sobretudo, de um corpo social dilacerado pela agressão da esquerda, ameaçado de morte, legítima mesmo quando a agressão colocou ou como pretexto uma verdadeira injustiça.

Assim, a esquerda inventa e cria não somente a própria existência e o seu jogo mas também o seu adversário. A direita também é uma invenção da esquerda.

Tradução da versão italiana: “La destra e la sinistra”, Jean Madiran, Fede & Cultura, 2011

Notas:

[1] “O quero, assim comando”, Juvenal, Sátiras, VI

[2] Paul Reinaud (Barcelonnette, 1878 – Neuilly-sur-Seine, 1966) vem aqui acusado como traidor da direita, porque, como Primeiro Ministro em cargo, se disponibilizou a transferir o Governo para Londres, deixando sobre as costas das tropas, agora dispersas, e da população civil o ônus da continuação de uma guerra impossível, renegando a leitura da crise do marechal Pétain e do nacionalismo francês: a responsabilidade do desastre reside na degeneração moral dos franceses, seja como indivíduos que como sociedade, e apenas do retorno a prevalência do espírito de sacrifício sobre aquele de gozo e a moralidade, pública e privada, poderá ressurgir a França eterna; e, para fazer isso, é necessário o tempo que só o armistício pode conceder.

[3] Valéry Marie René Georges Giscard d’Estaing (Coblença, 1926), politico e Presidente francês de 1974 a 1981. Se alude a sua tomada de distância do referendum sobre a reforma do Senado, querido por De Gaulle, o qual falimento levou ao fim a política do general ancião, e ao distanciamento de Giscard do gaullismo, até a se tornar um liberal, ideologia que caracterizou a sua presidência.

[4] Pierre Laval (Châteldon, 1833, Fresnes, 1945), condenado a morte em 9 de outubro de 1945 e fuzilado no dia 15 do mesmo mês, por traição e colaboração com o ocupante alemão, cumpre uma parábola política similar àquela de Benito Mussolini e de muitos outros expoentes dos movimentos fascistas ou fascistoides na Europa e não só: formação socialista e militância em formação da esquerda, também extrema, para depois aderir aos mencionados grupos políticos, que a esquerda define a direita. A colocação a direita ou a esquerda dos políticos e/ou dos partidos de inspiração socialista e nacionalista não parece encontrar algum fundamento objetivo na ideologia e/ou na prática política dos sujeitos em palavra. Se pense, a título de exemplo, a tradicional colocação da esquerda mundial do partido pan-arabista Baas, seja na sua versão siriana que naquela iraquiana, apesar da sua ideologia de base seja tratada, sem nem mesmo tantos ajustamentos, por aquela nacional socialista alemã.

[5] Marc Sangnier, (Paris, 1873 – ivi, 1950), é colocado pelo Autor como estando nas origens da Democracia Cristã, enquanto fundador do movimento modernista do Sillon (sulco, do nome da revista por ele fundada no 1894), condenado por S. Pio X com a Carta Apostólica Notre Charge Apostolique (1910). Tal movimento tinha um caráter político e mirava a uma democratização seja social que política da França e da Igreja, onde auspiciava, um drástico redimensionamento do poder petrino e da hierarquia interna, superando até mesmo a dicotomia laico-sacerdote. Não reconhecia a hierarquia da Igreja nem a tradição católica algum direito a dar diretivas a ação do político, mesmo se católico. Se pense no conceito de “católico adulto” do Cardeal Pellegrino, politicamente encarnado por Romano Prodi e por Rosy Bindi na Itália, que, mais abertamente a segunda, reivindicam “a autonomia do político do religioso”, que, traduzido, significa o direito, para um político católico, de votar leis contrárias ao direito natural (aborto, eutanásia, matrimônio homossexual…) e de colaborar com a sua aplicação. A libertação se torna o Presidente honorário do Mouvement républicain populaire, que nele reconhece o inspirador, em linha com as premissas teóricas do modernismo, sanciona a supremacia do poder político (republicano) sobre todo princípio ético e religioso.

[6] Giovanni Battista Montini, depois Papa Paulo VI (1963-1978). É aqui citado, enquanto Pontífice que não se opôs a revolução modernista no interior da Igreja e, assim fazendo, favoreceu também as consequências políticas desta deriva religiosa, perfeitamente coincidente com as finalidades da Democracia Cristã.

[7] Grande orador radiofônico do Governo de Vichy, assassinado as 05:30 da manhã em 28 de junho de 1944; fato análogo àquele de Giovanni Gentile assassinado em Florença em 15 de abril de 1944.

[8] Robert Brasilach (Perpignan, 1909 – Montrouge 1945) foi um escritor, jornalista e crítico cinematográfico francês, com simpatias colaboracionistas. Nos anos Trinta era considerado um dos astros nascentes da literatura francesa. Em setembro de 1944 sua mãe foi provisoriamente presa, para constringi-lo a se constituir, coisa feita pela Prefeitura de polícia de Paris; foi preso na prisão de Fresnes (atual Val-de-Marne), até o processo farsa, durou vinte minutos, diante da corte de inquérito judicial de Senna (janeiro de 1945). A leitura do incredível veredito do público se urrou “É uma vergonha!”, mas Brasilach, calmíssimo, replicou: “É uma honra!”. Famosos intelectuais, entre eles Paul Valéry, Paul Claudel, Marcel Aymé, Jean Paulhan, Roland Dorgelès, Jean Cocteau, Colette, Arthur Honegger, Maurice de Vlaminck, Jean Anouilh, Jean Louis Barrault e Thierry Maulnier, assinaram uma petição sustentada também pelos estudantes parisienses e por muitos acadêmicos, pedindo a graça ao general De Gaulle, que, porém, rejeita o pedido e na alba de 6 de fevereiro Brasilach foi fuzilado no forte de Montrouge. Foi sepultado no cemitério de Charonne, no XX arrondissement de Paris.

[9] Napoleão transfere ao plano convencional internacional, descarregando-se-lhe a nível pessoal, todas as responsabilidades do ato. O referimento recorda o sequestro do Duque de Enghien, retirado em 21 de março de 1804, por ordem de Napoleão, por uma repartição da cavalaria pertencente a Guarda imperial, na cidade de Ettenheim, em Baden-Wüttemberg, violando abertamente a soberania de um Estado estrangeiro, concluído-se com o fuzilamento do Duque, depois de um processo farsa a distância de poucos dias.

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