GIOVANNINO GUARESCHI: SOU UM REACIONÀRIO

 

“Não morro nem se me matarem”. Giovannino Guareschi
Riscossa CristianaPaolo Giulisano[Tradução de Gederson Falcometa]

Giovannino Guareschi foi um homem de fortes paixões, e entre elas certamente se encontrava a política. Um empenho que se desenvolveu sobretudo depois da trágica experiência no campo de concentração nazista. O Guareschi de antes da guerra foi um homem muito diferente, que, como muitíssimos italianos, tinha conseguido viver e trabalhar sem necessariamente esposar as teses do Regime. Depois do retorno a casa em 1945, tudo mudou e Giovannino se lançou com ardor na arena jornalística política. Tinha visto o totalitarismo fascista, nazista e também a longa sombra do Bolchevismo que avançava sobre a Europa. Era mais que suficiente.

Se posicionou e desceu para a arena com todo o poder da sua pena, para defender a liberdade de uma possível ditadura comunista, e sobretudo para defender os valores mais profundos em que acreditava, e que podem ser resumidos no trinômio Deus, Pátria e Família. Todos os três com maiúsculas. Mas sim.

Tais valores de referência o colocavam ipso facto a Direita, no ordenamento político. Definição que Guareschi jamais deu a si mesmo, foi a de homem de direita. Preferia o termo, muito mais significativo, nobre e correto, de Reacionário. Um homem que reage, responde, não está parado e se acovarda diante do mal, da injustiça e dos enganos.

Não parece que lhe agradava outros termos que subitamente são usados para indicar os pertencentes ao mundo de Direita, como “conservador”, ou ambíguo e traiçoeiro “moderado”.

Conservador o era em tudo aquilo que era belo, verdadeiro e bom. Moderado – graças aos céus – não era em nada.

Depois te ter combatido contra a ameaça do Comunismo, por todos os anos 50 e 60 combate contra a imbecilidade na política, a desonestidade e a corrupção moral. E golpeava a esquerda e a direita. Enquanto os italianos se dividiam entre filo-soviéticos e filo-americanos, e enquanto a hipótese de centro-esquerda ao governo ganhava mais forma, Guareschi permaneceu um homem livre, a verdadeira e própria consciência crítica do País: ao ataque de comunistas e democratas cristãos, buscava administrar aos italianos os antídotos adequados contra os venenos que os intoxicavam, do ódio ideológico a avidez de ganhos a qualquer custo e com qualquer meio; do abandono dos pontos de referência morais de sempre ao abandonamento do cérebro a confusão, que foi um conceito que jamais parou de sublinhar, profeta não escutado, visto que os italianos continuaram a fazê-lo, primeiro seguindo a palavra de ordem da política, mais tarde da publicidade e das sirenes do consumismo.

Guareschi empenhou todo o seu talento e a sua vida ao serviço das consciências, e do verdadeiro bem comum, com um realismo apaixonado, consciente de todas as imperfeições humanas, sem moralismos e nem utopismos perigosos.

Assim como nunca foi homem de partido, se bem que nunca escondeu as próprias simpatias pela monarquia, sobretudo como sistema de valores, para além daqueles que a Casa de Savóia havia combinado, do mesmo modo que nenhuma formação política jamais veio a público dar o próprio testemunho de Guareschi.

Direi que o único partido que se poderia lhe dizer mais próximo é a Lega, mesmo se é indubitável que o criador do Mondo piccolo não se teria agradado – ele cresceu com contos do livro Cuore e a bolsa retórica do ressurgimental – das instâncias secessionistas da velha Lega de Bossi, assim como certas peripécias da família do líder máximo varese. Talvez poderia interessar-se por aquilo que está emergindo com Salvini. Talvez. De certo não aquela “centro-direita”, o “pólo moderado” criado e representado nos últimos 25 anos por Berlusconi.

Se pode tranquilamente dizer que o berlusconismo é a exata antítese do pensamento político de Giovannino.

Guareschi era um homem livre, um homem vivo, demais para os gostos do poder. Assim como em 1961 os potentados DC [Democracia cristã, ndt] exercitaram uma pressão decidida sobre o editor de “Cândido” para que aquela voz incomoda fosse posta em silêncio, assim não conseguimos imaginar um Guareschi opinionista sobre redes Mediaset [canal de tv italiano, ndt] ou em jornais de negócio. Quando o “Candido” fecha, Guareschi se despediu dos leitores com palavras tristes e irônicas, com um editorial intitulado “a despedida do homenzinho” (Giovannimo é o diminuitivo de Giovanni, o equivaleria a Joãozinho em português, ndt), onde escrevia:”Diz Giovannino que nos deixa em uma excelente situação: milagre economico, milagre governativo e assim discorrendo. Se vai, então, tranquilo porque melhor que isso não poderia ser. Como também pior do que isso não poderia ser. A democracia alcançou o «optimum» nos dois sentidos opostos (positivo e negativo) e, não podendo ir mais alto e nem mais baixo, lhe convém parar. Então disse, sempre o Giovannino, permaneceis tranquilos: se a minha presença não pode melhorar um milionésimo de milímetro as coisas, ela também não pode piorar um bilhonésimo de milionésimo de milímetro. Os saúdo também eu e, se não podemos mais nos ver, busquemos de nos manter vivos em pensamento.  

Era a despedida de um homem que passava por humorista, e que paradoxalmente era na realidade um dos italianos mais sérios e verdadeiros jamais existido.

O berlusconismo é o exato oposto, apesar de que desde o momento da sua famosa “descida em arena”, tantos bons católicos levados ao engano pelas suas palavras de Cavalheiro Mascarado. Muitos acreditaram que o dono de Mediaset fosse um defensor dos valores inegocíaveis. Os fatos demonstram que não foi assim. E a coisa não pode pasmar. A história de Sílvio Berlusconi está a demonstrar que os valores da família, da vida e do humanismo cristão, não lhe foram jamais importantes. A cultura política, o pensamento ideológico em que o Cavalheiro se formou é muito mais próxima àquela que combate Giovannino do quanto uma opinião pública, um pouco ingênua, não tenha jamais notado.

Guareschi, como bem sabemos, morreu no fatídico 1968. Enquanto, Berlusconi, foi o perfeito realizador da Revolução de 1968. Já o escrevia anos atrás o filósofo Mario Perniola, que foi autor de numerosas obras filosóficas, intelectuais de clara fama, docente de Estética por muitos anos na Universidade de Roma, e que em 2011 publicou um precioso pampleth: Berlusconi ou o 68 realizado.

Segundo Perniola, Berlusconi deu uma contribuição determinante para que se realizasse na Itália os objetivos de 1968. Alguns – imaginamos – torceram rapidamente o nariz. Aquela de 1968, objetarão, foi uma rebelião juvenil, de cunho marxista-leninista. Nada feito. Os maus mestres de 68 pertenciam a uma diversa corrente ideológica. Berlusconi, como sustenta Perniola, levou a cabo um projeto revolucionário que já tinha sido teorizado nos anos Vinte (do século passado), pelo movimento austríaco Sexpol, que tinha como principal animador Wilhelm Reich, psiquiatra que inventou a chamada “liberação sexual”. Reich e os seus pensavam que subtraindo as crianças à autoridade dos pais lhes “livrariam” da pretensa repressão paterna e do autoritarismo patriarcal. Então, era necessário tirar dos pais a educação dos filhos e atribuí-la a sociedade. Atenção: a sociedade, e não só o Estado. E por sociedade se entende também a cultura, os meios de comunicação. Aquilo que nos tempos de Reich era decididamente veleitário, ou seja, que uma minoria “iluminada” pudesse ter uma influência significativa sobre consciências, se realizou depois de 68 com a comunicação global, e com os seus meios, in primis a televisão. Talvez Berlusconi não tenha nem mesmo ouvido falar de Sexpol e Reich, mas é um dado de fato que foi profundamente influenciado pelo espírito de 68, que tinha por slogan mais célebre, “a imaginação ao poder”, que se encaixa perfeitamente com o seu estilo, com as suas estratégias empresariais e políticas. Em Berlusconi se reconhece aquela vontade de potência, aquele triunfalismo delirante, aquela extrema determinação de desestabilizar toda a sociedade precedente da qual o Sessenta e oito foi invadido. Em primeiro lugar o ataque a família, mas também ao trabalho, a escola, a universidade, e sobretudo a religião. O descrédito da família tradicional, a desregulamentação da sexualidade, a hostilidade nos confrontos das instituições, vistas como repressivas, o vitalismo juvenil, o triunfo da comunição midiatica, o esquecimento da história e o presentismo espontaneísta, tudo isto que era projeto e sonho no 1968, com Berlusconi se tornou realidade.

O que tudo isto tem a ver com Guareschi e os seus ideais? Decididamente, nada. Quem quisesse recolher a herança moral e política do grande escritor da Bassa, deve trabalhar duro para construir um modelo muito diferente da Direita.

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