ORESTE SARTORE: SOBRE ALGUMAS TESES DA NOUVELLE THÈOLOGIE, POSSÍVEIS VETORES DE UMA RELIGIOSIDADE ALTERNATIVA - PARTE 1
Oreste Sartore
Corsia dei Servi
Tradução: Gederson Falcometa
1 – As providências canônicas e as censuras teológicas na Humani Generis
A segunda onda do modernismo, apesar de ter aparecido coberta por uma instância compartilhável, que é a redescoberta das fontes escriturais e patrísticas, não conseguiu evitar as censuras da Igreja Católica dirigida por Pio XII.
O Santo Ofício, com decreto de 4 de fevereiro de 1942, colocou no Índice dos livros proibidos o escrito de Chenu, Une école de théologie: le Saulchoir de 1937; análoga medida foi reservada ao Essai sur le problème thèologique de L. Charlier de 1938.
Chenu e Charlier foram atingidos com a revogação da missio canonica (a autorização para o ensinamento de teologia católica); a mesma sorte tocou a de Lubac em 1950 (dois meses antes da encíclica Humani Generis, v. oltre) até 1959 e Congar de 1954 a 1956; a de Lubac e a Congar foi proibido também fazer qualquer publicação. Todas estas sanções foram culminadas pelos superiores das duas ordens religiosas.
Lapidaria foi a sentença do dominicano Réginald Garrigou-Lagrange (1877 – 1964). Em La nouvelle théologie, ou va-t-elle? (1946) que assim descreve o núcleo da nova-teologia: “a liberdade sem a verdade, ao contrário dessa, dado que a verdade transmitida é considerada sinônimo de fechamento, enquanto a utopia é acolhida como sinônimo de abertura”. A reação do luminar neotomista e as reservas expressas por outros teólogos induziram Pio XII a promover indagações ao fim das quais promulgou a encíclica Humani Generis (1950), a última grande defesa da Igreja Católica dos ataques modernos.
Vejamos brevemente os conteúdos da encíclica. O santo Padre, no constatar o afirmar-se no mundo de sistemas de todo incompatíveis com a fé (imanentismo, pragmatismo, materialismo seja histórico ou dialético, idealismo historicista) e de outras concepções que poderiam conduzir a negação do sobrenatural (evolucionismo, existencialismo), deplora a subalternidade de alguns teólogos a estas filosofias.
Esses, por imprudência, desprezam a filosofia tomista como antiquada e racionalista, especialmente enquanto busca uma metafísica verdadeira de modo absoluto. Contrariamente “exaltam as outras filosofias, seja antigas ou recentes, seja de povos orientais ou ocidentais, em modo que parecem querer insinuar que todas as filosofias ou opiniões, com a ajunta – se necessário – de qualquer correção ou de qualquer complemento, se podem conciliar com o dogma católico”. Quando não vão além, sustentando que as verdades transcendentes “podem ser mais convenientemente expressas por meio de doutrinas dispares que se completam entre elas”, fazendo-se fautores de um imprudente irenismo que presume conciliar posições opostas no campo dogmático (sincretismo). Na sua ânsia de inovação esses parecem “reter um obstáculo ao restabelecimento da unidade fraterna, quando se funda sobre leis e sobre os próprios princípios dados por Cristo e sobre instituições por Ele fundadas, ou quanto constituí a defesa e o sustento da integridade da fé, abatido os quais, tudo vem unificado, mas apenas na comum ruína”.
Uma segunda atitude censurável é aquela dos amantes das novidades, os quais, temerosos de serem considerados ignorantes diante das descobertas feitas pela ciência, desprezam o Magistério, considerando-o um “impedimento ao progresso e um obstáculo para a ciência”.
Estas atitudes produziram os seus venenosos frutos em termos filosóficos, quais
– o ceticismo gnoseológico que diminui o valor da razão humana, negando o seu valor no campo da metafísica e então “colocando em dúvida se se pode demonstrar com argumentos deduzidos das coisas criadas a existência de um Deus pessoal” [1][2][3].
– A superestimação da vontade, a qual, para suprir a desconfiança para com a razão, os inovadores demandaram a tarefa de escolher entre opostas opiniões, “misturando mal assim o conhecimento e o ato da vontade”.
Aos erros filosóficos fazem contrapondo os erros teológicos, quais:
– O aviltamento das formulações doutrinais a expressões historicamente datadas, influenciadas pelo saber da época, e de qualquer modo incapazes de conter em conceitos os mistérios da fé. Por isto algumas pessoas pedem a liberação do dogma dos conceitos filosóficos (medievais, tomistas), para retornar a expor a doutrina com as expressões usadas pela Escritura e pelos Padres, esperando em tal modo de aplainar as diversidades entre os dogmas católicos e as opiniões daqueles que estão separados da Igreja. Alguns, mais ousados, chegam a sustentar o relativismo dogmático, esperando que as verdades de fé venham reformuladas com conceitos novos, utilizando categorias conformes aos sistemas filosóficos hodiernos e àqueles que pouco a pouco afirmarão no curso dos tempos.
– A adoção exclusiva do método histórico-crítico na análise escritural, restringindo a inerrância dos textos sacros apenas àquilo que diz respeito a Deus, a religião e a moral, enquanto todo o resto (sinais, milagres e parábolas, etc) é submetido a indagação da ciência (são assim desconsiderados em modo ruidoso os princípio de hermenêutica bíblica delineados por Leão XIII).
– A instituição de um magistério alternativo, baseado sobre o estudo das fontes escriturais por parte de doutores privados, independentemente dos ensinamentos das Encíclicas. Os neo-teólogos, de fato, negam que o Magistério possa pronunciar-se sobre questões teológicas abertas, arrogando a si o dever de resolver as disputas.
Dos erros o caminho pode conduzir a confissão de verdadeiras e próprias heresias, como a negação da criação, da auto-suficiência e da presciência de Deus, a destruição do conceito de pecado, a desconsideração da redenção operada por Cristo, até ao desconhecimento do carácter gratuito da ordem sobrenatural, quase como se a Graça fosse devida (sinal de uma concepção antropocêntrica) a nossa natureza.
Depois da Humani Generis Pio XII, na encíclica Sempiternus Rex (1951), escrita para comemorar o Concílio de Calcedônia, condenou a doutrina kenótica, proposta pelos expoentes de primeiro plano do movimento neo-teológico. Falaremos disso mais adiante.
A ação de Pio XII prossegue em 1954 com uma providência de reentrada nas dioceses dirigido aos sacerdotes que trabalhavam nas fábricas, dissolvendo de fato o movimento dos padres operários pelo qual se tinham tanto valido seja Chenu que Congar, depois o seu distanciamento do ensinamento e as proibições de fazer publicações.
As censuras teológicas decretadas por Pio XII, últimas medidas de contenção levantadas contra a segunda onda do modernismo, conseguiram frear a sua expansão apenas por poucos anos. Diferentemente da Pascendi, não foram de fato acompanhadas de outras medidas e assim a Nouvelle Théologie, enquanto parecia entrar “em sono” a espera de tempos mais propícios, sorrateiramente prosseguiu a sua obra de erosão e demolição herética.
Oreste Sartore
Notas:
[1] – os teólogos do agnosticismo kantiano (para os quais o noumeno não é conhecível) rejeitam as provas através das quais a razão pode arrivar a admitir a existência de Deus, as cinco vias indicadas por Santo Tomás de Aquino. Ora, uma fé sem bases da razão, sujeita aos turbilhões do sentimento, pode terminar em credulidade e em definitivo não é digna do homem. Mas se os mistérios da fé não podem ser expressos com conceitos adequadamente verdadeiros, mas só em modo aproximativo e evolutivo, vem a faltar a possibilidade de construir um sistema teológico, perfectível, mas permanentemente válido na substância, vem aberta a via que leva ao relativismo. Mons. Gherardini escreveu que a nova teologia coloca uma lápide sobre a metafísica “espoliando a razão humana da sua capacidade de alcançar a verdade” (cfr. P. Vassallo, Paolo Pasqualucci,Giovanni XXIII e il Concilio Ecumenico Vaticano II, sito riscossa cristiana)
[2] – um segundo modo de justificar o ceticismo gnoseológico deriva de Maurice Blondel (1861-1949). O filósofo borgonhês, ponto de junção entre o modernismo do início do século e a sua ressurreição na forma de Nouvelle Théologie, coloca a ação no centro da sua especulação. Segundo Blondel a filosofia não tem a possibilidade de chegar com as suas forças ao sobrenatural: a verdadeira totalidade (a verdade) é por nós alcançada em uma síntese sempre mais aprofundada de conhecimento e ação. Mas se a verdade depende da ação, essa “não está mais âncorada no seu”, mas flutuante “no movimento do devir” (Don C. Nitoglia, Consegne ai militanti, 2012, sitodoncurzionitoglia – Entrego aos militantes, Padre Curzio Nitoglia, tradução Salve Regina).
[3] – se o conhecimento é subjetivo não são viáveis conceitos de valor universal como são os dogmas.
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