P. CURZIO NITOGLIA: ROMA PAGÃ E ROMA CRISTÃ, SEGUNDO O CARDEAL OTTAVIANI
Padre Curzio Nitoglia
[Tradução: Gederson Falcometa]
Prólogo
O Cardeal ALFREDO OTTAVIANI († 1979) deu uma conferência em Roma nos anos Trinta, através do Instituto de Estudos Romanos, que cerca de dez anos depois se expandiu chegando as prensas sob o título “Luz da Roma cristã no Direito” (Città del Vaticano, Tipografia Poliglota Vaticana, 1943). Agora faço uma breve síntese do livro e em breve publicarei no meu site o texto integral em formato PDF.
O então Mons. Ottaviani escrevia sobre a relação entre Catolicismo e Império Romano para demonstrar como o primeiro aperfeiçoou e não destruiu o segundo. No I capítulo do seu livro afrontava os primeiros contrastes entre o Cristianismo e a Roma pagã nos primeiros três séculos e os sucessivos contatos entre as duas entidades, especialmente naquilo que diz respeito ao influxo benéfico da doutrina católica sobre o ‘Direito Romano antigo’ (pg. 7-16); no II capítulo estudava o problema das bases do ‘Direito Comum’ (‘comum’ a Igreja e a Roma antiga), bases da antiga Roma invadida pelos bárbaros, dadas pelo Catolicismo, que graças a sua luz sobrenatural soube unir o elemento romano a força germânica (pg. 17-24); no III cap. escreveu sobre a questão da relação entre Catolicismo e a Modernidade relutante, que buscava subtrair-se, laicisticamente, ao influxo do primeiro (pg. 25-50); no ultimo e IV cap. ilustrava o modo como o Catolicismo deveria, segundo as diretivas do Magistério de PIO XII († 1958), informar a civilização depois da segunda guerra (pg. 51-62), diretivas amplamente desconsideradas e combatidas pela filosofia, pelo direito e pela política contemporânea, mesmo demo-cristã.
Cristianismo e Direito Romano
Naquilo que diz respeito às relações entre Cristianismo e Roma pagã, Ottaviani citava PLINIO O VELLHO († 79), que escrevia sobre a missão confiada por Deus a Roma antiga e a Itália de conduzir todos os homens em um único consórcio civil e se tornar, assim, a Pátria de cada povo (Naturalis historia, III, 3°, 39). Todavia, acrescentava o prelado, tal missão natural da Roma antiga deveria ser aperfeiçoada sobrenaturalmente pela Roma cristã. Na verdade, só a natureza seria díspar para desenvolver plenamente tal papel e como ensina SANTO TOMÁS DE AQUINO († 1274) “a Graça pressupõe a natureza, não a destrói, mas a aperfeiçoa”, (S. Th., I, q. 1, a. 8, ad 2); assim a Roma cristã se formou sobre a Roma antiga, não lhe destruiu, mas lhe aperfeiçoou, temperando e sublimando ao mesmo tempo, o orgulho com a Justiça e o sub-julgamento com a caridade (p.7).
Foi assim que a Roma cristã cumpriu a obra da Roma pagã, restaurando e pacificando tudo e todos em Cristo (“restaurare omnia in Christo”), tornando-se a Pátria espiritual de todos os povos do mundo inteiro (p.8). O Cristianismo na realidade foi aperfeiçoador da Roma antiga e não o seu inimigo ou destruidor, como queriam alguns pensadores anticristãos (v. N. MAQUIÁVEL † 1527 e F. NIETZSCHE † 1900).
SANTO AGOSTINHO († 430) ensinava: “Ó Roma cristã, tu unes os cidadãos aos cidadãos, as Gentes as Gentes… não apenas em certa Sociedade humana [como fez a Roma antiga], mas também em um vínculo fraterno de Caridade. Tu ensinas aos Reis como cuidarem dos povos, exorta os povos a obedecer aos Reis” (De moribus Ecclesiae Catholicae, c. 30, n. 63).
PIO XII em 1941 especificou: ”Ó Roma cristã, aquele sangue é a tua vida; por aquele sangue tu és grande e iluminas com.tua grandeza as próprias ruínas e restos das tuas grandezas pagãs, e purificas e consagras os códigos da sapiência jurídica dos pretores e dos Césares: Tu és mãe de uma justiça mais alta e mais humana, que te honra a ti, a tua sede, e quem te escuta. Tu és farol de civilização, e a Europa civil e o mundo devem-te quanto de mais sagrado e de mais santo, quanto de mais sábio e mais honesto exalta os povos e torna bela a sua história. ” (PIO XII, Mensagem radiofônica ao mundo, Natal de 1941, em Acta Apostolicae Saedis, ann. XXXIV, pg. 16-18 e 20).
Nos primeiros três séculos, quando a Roma antiga não tinha ainda aceitado o Evangelho, a Igreja não teve uma eficácia direta sobre o Direito Romano. Todavia este influxo foi indireto, enquanto duraram os primeiros trezentos anos a Igreja cooperou para a renovação dos Costumes, ilustrando os motivos supremos do Direito, chegando, assim, a reformar devagar as instituições jurídicas e até mesmo a Filosofia. Na verdade (p.9) já em SÊNECA († 65) se encontram conceitos compatíveis com o Cristianismo, como também em EPITETO († 115), MARCO AURÉLIO († 180) e no jurista ULPIANO († 228).
Com CONSTANTINO († 337) e o triunfo da Igreja (313-381), a força sobrenatural da Religião cristã se manifestou plenamente e diretamente na correção das antigas Instituições jurídicas romanas e no informar as novas com a sua doutrina: os Códigos de TEODOSIO II († 450) e de GIUSTINIANO († 565), e especialmente Novellae giustinianee (528-534) lhe impulsionaram.
O efeito prático e objetivo desta ação se veem no modo de regular as condições dos indivíduos e das famílias e a sua relação com o Estado. O homem veio a ser considerado, como criado por Deus e para Deus. O “nascituro se tenha por já nascido; nasciturus pro nato habetur” é um dos princípios que entraram, graças ao Catolicismo, no ‘Direito Romano’. A base de tal princípio jurídico é o conceito segundo o qual no feto concebido existe uma alma infundida por Deus e não pode ser suprimida, tendo o direito de existir (p. 10). Naquilo que diz respeito a prole nascida, diante do poder paterno, a Igreja regulou e conciliou a Autoridade e a liberdade. Os filhos têm também direitos e o pai não tem mais um poder absoluto sobre sua prole. Da outra parte a obediência dos filhos aos genitores é sublimada seguindo o princípio que toda Autoridade vem de Deus (p. 11). Além disso, pouco a pouco vem enfraquecido e depois abolido o conceito de escravatura, sendo todo homem criatura de Deus, destinada a Deus, e não uma simples res sobre a qual o dominus tinha um poder absoluto de vida e de morte, como ensinava o antigo ‘Direito Romano’ e ‘Germânico’ (p. 12).
Quanto a família, MODESTINO (II-III século) e o seu mestre ULPIANO († 228) ainda consideravam que a sua essência consistisse no ato generativo, como resultante do amor (“affectio maritalis”) e da vida em comum (“consortium vitae”). Mas no Direito Justiniano se sistematizou a questão chegando ao conceito segundo o qual “as núpcias ocorrem pelo consenso dos contraentes; nuptiae consensu contrahentium fiunt” (D. XXIII, I, II). O mesmo conceito tinha sido concebido pelos Padres da Igreja: veja S. AMBRÓSIO († 397) “consensus facit nuptias” (De institutione virginis, c. 6). A coabitação vem assim declarada insuficiente para constituir um verdadeiro matrimônio. Todavia para fazer triunfar a indissolubilidade do matrimônio demoraria muitos anos ainda. A partir do “consenso que produz as núpcias” qual ato inicial e constitutivo do matrimônio demorou ainda muito tempo (“natura non facit saltus”) para fazer entrar na vida corrente o conceito vivido de que, uma vez dado o consentimento e produzido o matrimônio, este é indestrutível e irrevogável (p. 15). Então, enquanto primeiro, durante a Paganitas, se considerava que, cessado o amor marital, cessava a união conjugal, apenas com a luz do Cristianismo, Roma acolhe o princípio de indissolubilidade do matrimônio, mas levou algum tempo (“nemo repente fit optimus”). O divórcio foi formalmente erradicado com JUSTINIANO (Novellae, 117). Infelizmente, o cisma do oriente tinha enfraquecido a voz de Roma, para querer ser independente do Papa tornando-se servos de César mesmo nas matérias espirituais, por isso tal sucesso do Cristianismo vem comprometido (p. 16).
Cristianismo e Direito Comum
Quando Roma antiga foi invadida pelos Bárbaros (V séc), a luz da Roma cristã une os Romanos com os Bárbaros com a fusão de elementos jurídicos corrigidos a luz da divina Revelação. O ‘Direito Eclesiástico’ em cooperação com o antigo ‘Direito Romano’ cimentava no ‘Direito Comum Roma e a Igreja’ as várias e diversas legislações que os Bárbaros haviam trazido com eles.
Os problemas surgidos ao nascer do Império Romano com a fusão dos povos e das estirpes e civilizações diversas e a adaptação das relações das várias classes sociais de um mesmo povo, foram resolvidos por Roma com a sua sabedoria de reservar as armas apenas a conquista e a conservação do território conquistado e civilizado. Nunca Roma pensou de impor com a força das armas a paz interna das classes sociais de um mesmo povo ou a coexistência de mais povos em um mesmo Império (p. 18).
Os mesmos problemas se tornaram maiores quando os Bárbaros invadiram a Roma antiga. Ela se valeu da superioridade do ‘Direito Romano antigo’, tendo perdido a superioridade bélica, para aperfeiçoar e amalgamar as leis dos vários povos bárbaros e reformar as suas instituições jurídicas e sociais. Roma conquistada se torna conquistadora, graças ao seu engenho, ao seu senso de Direito e de Justiça. O ‘Direito Romano’, ou seja, dos conquistados, se torna o ‘Direito’ dos conquistadores, sobretudo graças ao trabalhado realizado pela Igreja e a sua força propulsiva, que a Roma antiga havia consumado. O Direito Romano floresce nos Reinos dos Bárbaros invasores. Na verdade, os Bárbaros desdenhavam inicialmente o ‘Direito Romano’, dado o separatismo e o instinto de conservação que lhes distinguiam. A Igreja, tornando-se sobrenaturalmente e espiritualmente Vencedora dos Vencedores, ajudou o Direito natural Romano a informar e amalgamar os vários povos bárbaros. Os Bárbaros aceitaram o princípio Justiniano segundo o qual, a Autoridade legisladora é executora da Vontade divina (p. 19). A própria Igreja, que tinha emprestado da Roma antiga muitas instituições de Direito natural, graças a sua Autoridade espiritual, que a Roma antiga havia agora perdido diante da força das armas dos Bárbaros, se serve de Leis romanas antigas, conformes ao Direito Natural, para fazer renascer o Direito Romano (o “Commune Jus Canonicum”, p.21) e natural junto aos Bárbaros. Aquilo que é impossível aos homens, é possível a Deus. Os Bárbaros se romanizaram graças ao Catolicismo e reconstituíram o Império Romano-Germânico e Sacro, ou seja, Cristão.
Quando CARLOS MAGNO, na noite do Natal de 800, recebe a coroa de Imperador do Sacro Romano Império das mãos do Papa, recebe e fez também seu, o Livro dos Cânones ou das Leis Romanas e Cristãs. O novo Império era sim Germânico, mas também Romano e Sacro, ou seja, da nova Roma, que havia aperfeiçoado a antiga como a Graça aperfeiçoa a natureza (S. Th., I, q. 1, a. 8 ad 2). O mesmo Direito Romano e natural, que os Cristãos usaram para aperfeiçoar a legislação da antiga Roma, serve a Igreja para civilizar, romanizar e cristianizar os povos bárbaros.
Com o Feudalismo e o fracionamento do Império, foi sempre e continuou a ser o ‘Comum Direito Canônico’ a manter a unidade e a superar as forças e os direitos particularistas de qualquer autoridade menor. A tendência unitária imperial continuava, assim, também no fracionamento feudal (p. 21). Verificou-se a predição de SÃO LEÃO MAGNO († 461) feita na Roma dos Césares tornada Roma de Cristo: “Ó Roma, embora tenha sido enriquecida com muitas vitórias e tenha levado a força do teu governo para terra e mar; todavia aquilo que te deu a guerra, é menor do que aquilo que te concedeu a Paz Cristã” (Sermo I in Nativitate Apostolorum Petri et Pauli).
O Cristianismo na Modernidade
A Modernidade, nascida religiosamente com LUTERO († 1546), filosoficamente com DESCARTES († 1650) e politicamente com ROUSSEAU († 1778), buscou isentar-se da luz da Roma cristã.
Aquilo que de bom permanece nela, o deve, todavia, propriamente ao influxo que o Catolicismo teve sobre a Sociedade, sobre as famílias e sobre os homens.
O fundamento de todo Direito, o encontramos expresso de forma magistral, já em SANTO AGOSTINHO († 430) e depois em LEÃO XIII († 1903).
Segundo SANTO AGOSTINHO (De civitate Dei) o fundamento de todo Direito consiste em dois simples princípios: 1º) a Justiça não esta fundada sobre a utilidade do mais forte (com um milênio de antecipação o Hiponate refuta O Príncipe de NICOLAU MAQUIÁVEL †1527); 2º) sem Justiça não existe o verdadeiro Poder ou Autoridade, mas prepotência ou tirania. Qual é a regra do bem agir seja para o individuo como para o Estado? Aquilo que é conforme ao Direito natural, que participa daquele divino. Fora disto existe o arbítrio, a prepotência e a tirania do individuo e do Poder social.
O papa Leão XIII na Encíclica Immortale Dei (1881) sintetiza os princípios que regulam as relações entre individuo, família e Estado: 1º) o homem naturalmente deve viver em uma Sociedade (a família e o Estado), sendo por natureza um animal sociável, não solitário e andarilho; 2º) a Autoridade, consequentemente, é também necessária, desde que sem Autoridade não subsiste a Sociedade; 3º) a maneira de exercitar o Poder (monárquico, aristocrático, “democrático” em sentido clássico) não é única; o essencial é que esse faça leis conformes a Lei Natural e divina; 4º) o Poder é para o bem dos cidadãos, não para o proveito próprio, senão seria Tirania e não Autoridade. Antes “os Poderosos serão julgados mais severamente” (Sab., VI, 7); 5º) destes princípios lhe segue, se bem aplicados, que o povo não se rebelará contra a Autoridade legítima e a verdadeira Autoridade não oprimirá os cidadãos ou os seus sujeitos; 6º) a Sociedade civil deve “dar a Deus aquilo que é de Deus”, ou seja, deve cultivar não apenas individualmente, mas também socialmente e publicamente a verdadeira Religião, que é fundada por Deus, ou seja, a Igreja Católica; 7º) as relações entre Estado e Igreja devem ser de não-separação, mas de concórdia e subordinação hierárquica do material ao espiritual, em ordem ao bem comum dos súditos (pg. 27-30).
As Missões em países colonizados levaram o Evangelho, o Ritual Romano e o Direito Canônico nas Terras uma vez pagãs, onde os Missionários andavam a temperar o rigor dos Conquistadores (ou Colonizadores) com as regras da Justiça e da Caridade cristã. Ao invés, nas Terras já civilizadas e cristianizadas, a Igreja instituiu as primeiras Universidades, as escolas populares, os hospitais e a assistência aos pobres (p. 31).
As Concordatas entre Igreja e Estado são bem estudadas e pesadas. Alguém disse: “initium Concordatorum, initium dolorum”. Esta frase tem um fundamento na realidade e se refere a origem histórica das Concordatas e as razões práticas que lhes tem feito necessárias: as nascentes contenções entre Estado e Igreja, o abandono da subordinação e da cooperação hierárquica na Fé vivida socialmente, o racionalismo e o laicismo ou o absolutismo incipiente. Estas foram as dores que deram início as Concordatas (p. 36).
Ao invés disso, se se olha o bem levado por cada Concordata a Sociedade civil, então se deve dizer: “initium Concordatorum, origo bonorum”. O bem que a Concordata mantém e preserva no país com o qual essa foi realizada é, de fato, enorme. Sem as Concordatas, as correntes inovadoras e subversivas do Humanismo, do Renascimento, do Protestantismo, do Iluminismo, do Comunismo e do Laicismo não teriam encontrado nenhuma barreira e teriam devastado completamente todo resíduo de ordem individual, familiar e social. “O sistema concordatário foi o baluarte contra o dilatar da decadência das mais eleitas tradições da civilização” (p. 37). A primeira Concordata foi a de Worms e remonta ao 1122; desde então, a Igreja tem sempre procurado estipular Concordatas com os países, que sofriam o influxo do arbítrio capricho do subjetivismo da Modernidade para fixar com plena estabilidade os princípios jurídicos, que regulam as relações entre Estado e Igreja e ajudam os fiéis, que são também súditos do Estado, a poder viver a Fé sem impedimentos por parte do Poder civil com o qual foi estipulada a Concordata que o obriga ao respeito dos pactos (“pacta servanda sunt”).
A Concordata considerada em si e no fim para o qual é feita, é uma boa instituição, apenas as circunstâncias históricas e contingentes em que nasce são deletérias: o espírito de autonomia, de autossuficiência e de separação do Estado para com a Igreja, a qual – realisticamente – toma nota da situação histórica existente e premune os seus fiéis sobre as insidias que o espírito da Modernidade poderia ter sobre eles (p.37). Na verdade, “nem sempre o ideal” (a cooperação hierárquica entre Estado e Igreja é pacificamente vivida) “é real”. O perfeccionismo ou angelismo daqueles que – errando por excesso – reputam a Concordata intrinsecamente perversa e sinal de desistências por parte da Igreja, é irrealista e, portanto, falsa. De fato, a verdade é “a conformidade do intelecto com a realidade”, enquanto o erro é “a deformidade do intelecto para com a realidade” (ARISTÓTELES † 322 a. C.). Se a situação real e histórica mostra certo espírito de independência que se insinuou na Sociedade civil, então a Igreja deve estipular uma Concordata com este Estado no qual os germes da subversão entraram, e podem causar danos aos fiéis.
A doutrina política (segundo o ‘Direito Público Eclesiástico’) seguida por Monsenhor Ottaviani é aquela da contra reforma de SÃO ROBERTO BELARMINO († 1621) do poder indireto da Igreja sobre o Estado in temporalibus, ratione peccati.
A doutrina católica sobre as relações entre Estado e Igreja conhece duas escolas. I) A primeira é de origem medieval e sustenta a Plenitudo potestatis Papae etiam in temporalibus. Vale dizer que Cristo, verdadeiro Deus e verdadeiro homem, tem um poder – por sua Natureza divina – sobre cada coisa deste mundo criado por Ele. Mas Jesus não quis exercitar o poder direto nas coisas Temporais e o deixou aos Príncipes, por isso o Papa, que é o Vigário na terra de Cristo assunto ao Céu, tem um poder direto também nas coisas temporais, mas não o exercita e o delega aos Príncipes temporais. Ele tem um poder direto sobre coisas espirituais e intervém indiretamente sobre aquelas temporais se forem contrários a Lei divina e natural. Tal tese foi ensinada por SÃO GREGÓRIO VII († 1085), INOCÊNCIO III († 1216), INOCÊNCIO IV († 1254), BONIFÁCIO VIII († 1303) e vários outros canonistas. II) A outra tese é própria da Contra reforma (FRANCISCO SUAREZ †1617 e SÃO ROBERTO BELARMINO †1621) e sustenta apenas o poder indireto do Papa sobre as coisas temporais em razão da deformidade entre as leis do Estado e a Lei natural e divina. Mons. Ottaviani segue está segunda escola e explica em poucas e breves linhas do livro que estamos examinando, qual o significado exato deste princípio do Direito Público Eclesiástico: 1º) pelo fim temporal não se deve impedir o Fim espiritual ou sobrenatural, porque o inferior não deve opor-se ao superior, mas facilitá-lo (p.39); 2º) por isso a Sociedade Civil, que tem como fim o bem estar comum temporal, deve ajudar a Sociedade espiritual (a Igreja católica), que tem como Fim a salvação das almas; 3º) então a Igreja tem o direito ao poder indireto nas coisas temporal, afim de que o Estado não impeça com leis iníquas a salus animarum (p.40).
O influxo da Roma cristã sobre a Sociedade contemporânea
Este quarto e ultimo capítulo foi adicionado pelo Autor em 1943, na conferência que ele mesmo tinha realizado nos anos Trinta. Agora a segunda guerra mundial, tinha tomado a direção que levou a vitória das potências democráticas. Papa PIO XII, vendo o perigo de uma deriva democratista rousseuaniana, havia começado a ensinar os princípios da verdadeira ordem democrática, no sentido clássico, ou seja, aristotélico-tomista da palavra; princípios que foram depois desconsiderados pela pós-modernidade e, sobretudo, pela “Democracia Cristã” (com ROMOLO MURRI † 1944; ALCIDE DE GASPERI † 1954; LUIGI STURZO †1959), que contribuiu para a laicização e secularização da Itália e da Europa, violando todos os princípios ensinados pelo Papa Pacelli, servindo-se farisaicamente do símbolo da Cruz de Cristo.
Mons. Ottaviani resume o ensinamento de PIO XII a respeito daquelas que deveriam ter sido as relações da civilização do segundo pós-guerra com a luz da Roma cristã aperfeiçoadora da Roma antiga.
A Igreja pode adaptar-se as variedades contingentes e históricas apenas respeitando e salvando a Verdade (p. 51). Agora com o pós-guerra nos espera um novo ordenamento politico, social e econômico, que pode ser vitalizado pelo Catolicismo apenas com a condição que respeite a Verdade, a realidade, a Justiça, o Direito natural e a Caridade sobrenatural.
O perigo para a Itália e a Europa é o mesmo que a Monsenhor LEROY (missionário na América do norte) foi indicado por um ameríndio conquistado pelos colonos calvinistas fugitivos da Inglaterra e da Holanda no século XVII. O indígena ou indiano da América, como relata Mons. Ottaviani tinha dito a Mons. Leroy: “Os brancos vieram aqui e fizeram comércio, fizeram vir navios plenos de toda mercadoria. Até aqui, tudo bem! Mas os meus filhos não acreditam em mais nada, as minhas filhas estão vagando e os velhos não são mais escutados” (p. 53). O mesmo perigo, comenta Mons. Ottaviani, corre a Europa que esta para ser vencida pelos filhos dos mesmos colonos que conquistaram o Norte da América, pelo que “se prepara um conflito de civilizações, quando a nossa, esquece-se de Deus, não quer ser mais que laica, perde aquilo que quer ganhar: si mesma e os outros. Somente o Cristianismo edifica sem destruir, adquire sem empobrecer e obtém dando-se” (p. 53).
Entre os princípios ensinados por Pio XII e relatados por Ottaviani resumo e relato com prazer os seguintes: 1º) o direito a guerra justa, ou seja, a legítima defesa por parte dos Estados como dos indivíduos. “Vim vi repellere licet; é licíto rechaçar a força agressiva com a força defensiva”. A Igreja sabe que o homem nasceu com o Pecado Original, tende ao mal e, então, não acredita na “Paz perpétua” sustentada por KANT († 1804). Tal Paz terá lugar apenas no lado de lá (requiem aeternam) e não neste mundo (bellum continuum). Por isso, como ensinava FRANCISCO Suárez († 1617): “si numquam liceret gerere bella, sequerentur mala majora; se não fosse jamais licito defender-se com a guerra, lhe seguiriam males maiores” (De Charitate, disp., XIII; De bello, sez. I, n. 3). O neutro ou os pacifistas por princípio, fazem explodir as guerras mais desastrosas e os Estados mais iníquos podem agredir impunemente aqueles honestos, não temendo a legítima defesa armados contra a violência agressora (p. 54). Então, deste primeiro princípio segue que: 2º) no Direito natural e cristão (ou Romano antigo e moderno) não existe lugar para as lesões a integridade das outras Nações; 3º) não existe lugar nem sequer para a opressão, aberta ou sútil, das peculiaridades culturais dos outros países, mesmo se pequenos e indefesos; 4º) não existe espaço para os egoístas, estritos cálculos econômicos e financeiros, tendentes a tomar as fontes econômicas e as matérias primas dos outros Estados (p. 57-61).
Mas, se perguntava então PIO XII citado por Mons. Alfredo Ottaviani no seu livro (p. 61-62), quem pode inculcar e fazer aceitar estes princípios a Sociedade contemporânea, que quer distanciar-se da Igreja, de Cristo e de Deus?
“ Esta voz, sapiente e poderosa pela força que a Verdade tem em si, só pode ressoar de Roma, porque apenas aqui existe o centro, a rocha, a Cátedra da salvação cristã que o Redentor colocou a disposição do mundo, ao custo do seu preciosíssimo Sangue que purifica, redime e santifica. Ó Roma cristã, aquele sangue é a tua vida; por aquele sangue tu és grande e iluminas com.tua grandeza as próprias ruínas e restos das tuas grandezas pagãs, e purificas e consagras os códigos da sapiência jurídica dos pretores e dos Césares: Tu és mãe de uma justiça mais alta e mais humana, que te honra a ti, a tua sede, e quem te escuta. Tu és farol de civilização, e a Europa civil e o mundo devem-te quanto de mais sagrado e de mais santo, quanto de mais sábio e mais honesto exalta os povos e torna bela a sua história”.
Padre Curzio Nitoglia
24 de setembro de 2012
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