DON CURZIO NITOGLIA: O DISCERNIMENTO DOS ESPÍRITOS SEGUNDO SANTO AFONSO
Tradução: Gederson Falcometa
Introdução
Muitos conhecem as “Regras para o Discernimento dos Espíritos contidas nos “Exercícios Espirituais” (n 313-316) de S. Inácio de Loiola, mas também S. Afonso Maria de Ligório compôs um tratado (menos conhecido) em que aborda, de maneira diversa, o mesmo tema.
Em 1775 S. Afonso escreveu um livro de teologia ascética intitulado Conduta admirável da Divina Providência (Nápoles, Editora Paci), em que da página 127 a página 157 abordou a questão do Discernimento dos Espíritos, no capítulo intitulado Conselhos de alívio e confidência para uma alma desolada. Colóquio entre Monsenhor o Autor e a Alma que pede conselho.
O Redentorista Padre Alfonso Amarante, em 2008, cuido da 10ª edição desta obra, com adaptação para a língua italiana corrente, publicada pela Shalom Editora de Camerata Picena na província de Ancona [1].
No presente artigo resumo o conteúdo da obra afonsiana e convido o leitor a estudar e meditar o próprio texto do Santo Doutor da Igreja.
A partir de um alegado estado de falência espiritual de uma alma desolada S. Afonso ensina as várias etapas da verdadeira conversão interior e do renascimento espiritual. Segundo o Santo as penas maiores dos homens não são aquelas materiais e físicas, mas as tentações e as desolações de espírito. A tentação é um incitamento ao mal, que vem do demônio, da nossa natureza (ferida pelo pecado original) ou do mundo, colocando nos em perigo de perder a graça santificante. A desolação espiritual é um estado de ânimo em que se considera ter perdido a graça de Deus e de ter sido abandonado pelo Senhor. A aridez sensível é menos grave que a desolação espiritual porque nela não se sentem mais as consolações espirituais, que aliviam a natureza sensível da alma pia. Muitos Santos trataram destes temas (aridez, desolação) com terminologias diversas (por exemplo S. Francisco de Sales na Filotéia ou Introdução a vida devota as chama aridez e desolações como S. Inácio nos seus Exercícios Espirituais e como S. Afonso no presente tratado; S. João da Cruz na obra Noite Escura as chama de “noite dos sentidos e noite do espírito”), mas a realidade significada é a mesma: a noite dos sentidos corresponde a aridez e a noite do espírito a desolação [2].
O texto de S. Afonso
O Santo Doutor distingue a aridez voluntária daquela involuntária. A primeira advém quando a pessoa que a prova comete pecados veniais deliberados e voluntários e não busca de se corrigir. Esta mais que aridez voluntária deveria ser chamada de tepidez. A aridez verdadeira e própria é aquela involuntária que se experimenta quando a pessoa busca santificar-se, cuida para não cometer pecados propositalmente deliberados, reza assiduamente, frequenta os sacramentos, mas apesar de tudo sente a aridez de espírito.
O Santo aborda antes de mais nada a questão dos escrúpulos e explica que a alma a qual lhe sofre se confessa e reconfessa, mas teme de não ter confessado tudo e permanece inquieta; se vê assaltada por mil tentações contra a fé, a castidade, a soberba e permanece com um certo temor de ter consentido. O Santo a incita a ter confiança e a prestar sempre obediência ao diretor espiritual, evitando de ater-se ao próprio juízo; nas coisas espirituais e nas dúvidas de consciência é importante obedecer ao pai espiritual. O incômodo dos escrúpulos é um verdadeiro tormento para as almas pias, muito mais penoso que as enfermidades.
A alma responde que embora obedecendo ao diretor espiritual não prova devoção ou consolação sensível. O Santo rebate que não é necessários buscar as doçuras ou as consolações sensíveis, mas a vontade de Deus. De fato ela também pode nos santificar sem provar consolações sensíveis nesta vida, porque a verdadeira virtude não consiste em senti-la, mas em querê-la. Se uma alma quer confiar, mesmo se não prova nenhuma confidência sensível, é já na virtude da confiança. Assim é por amor a Deus. Isso esta na vontade. Se alguém quer amar Deus já o ama sem querer o prazer de “sentir” ou experimentar o amor. Certas vezes é Deus mesmo que não quer que nós sintamos a consolação de provar a virtude em nós para nos fazer avançar mais na vida espiritual. Verdadeiramente na aridez se age só por amor de Deus e não por amor das nossas consolações. Se Deus quer que também as pessoas, que vivem obstinadas no pecado se convertam e retornem a Ele, como poderia abandonar uma pessoa que quer amá-lo?
Os dois temores que assaltam mais as almas pias, diz S. Afonso, são aqueles de não se salvar e de não ser perdoadas por Deus. Ora, explica o Santo, se é verdadeiro que é o Senhor que nos converte e nos salva, é também verdadeiro que nós devemos cooperar com ele e nos empenharmos na nossa continua ascendência espiritual. Deus não deixará de nos salvar, se antes não é abandonado por nós. Por isso se nos propomos a não abandoná-lo devemos estar seguros que ele não nos abandonará jamais e se por desgraça nossa devêssemos cair no pecado, tornemos a Ele com o coração arrependido e Ele nos perdoará. O pensamento segundo o qual Deus criaria almas apenas para lhes condenar ao inferno sem nenhuma culpa sua é uma blasfêmia de Lutero e Calvino.
Então, prossegue o Santo, Deus abandona só os obstinados no mal, que recusam de se convertem, ou seja, aqueles que querem viver no pecado. Por isso não devemos jamais dizer que Deus nos abandonou. Quando uma pessoa busca amar a Deus, então o Senhor não pode não amá-la. Se algumas vezes Deus “se esconde” àqueles que ama, o faz para o seu maior proveito espiritual: o desejo de ter a sua graça e de não perde-la jamais. De fato, nenhuma coisa aproxima a nós de Deus e aproxima o Senhor do nosso coração quanto a desolação porque no estado de desolação os atos de uniformidade a vontade de Deus são mais perfeitos e mais puros. Quanto maior for a desolação, maior será a humildade.
Infelizmente as pessoas escrupulosas, continua S. Afonso, veem Deus como um tirano que incute aos súditos só ansiedade e medo. Então, temem que a cada palavra, a cada pensamento Deus se faça possuir-se de cólera e lhes mande ao inferno. Não, Deus não nos priva da sua graça, se não quando nós, a olhos abertos, deliberadamente o desprezamos e lhe voltamos as costas.
Conclusão
Aridez: causas e remédios
Padre Alfonso Amarante escreve: “As causas da aridez podem ser de natureza psicofísica, distúrbios de caráter psíquico e nervoso ou de saúde instável; ou de natureza moral, por formas inaptas de oração, intensa atividade exterior, grande atenção dada a sensibilidade, vã complacência na devoção sensível (gula espiritual), tepidez, deliberada renúncia a santidade. A aridez é uma espécie de fadiga seja física que mental e ás vezes pode ser provocada pelo próprio Deus. Neste caso é uma prova para provar a fidelidade de uma pessoa, o seu amor. Subtraindo-lhe a devoção sensível a Deus a coloca na condição de confiar e repousar unicamente Nele. Os remédios são os seguintes: se a aridez é provocada pela enfermidade, se deve cuidar maiormente do corpo, evitar afadigamentos, conceder-se mais repousos. Se provém do relaxamento espiritual, é preciso renovar o desejo de santidade, revigorar a ascética. Se a aridez é provocada por Deus, se requerem atos de uniformidade a sua vontade. Tal prova a experimentam um pouco todos. Todos, antes ou depois, atravessamos o deserto da oração árida para chegar, depois, a uma união mais íntima e a uma oração mais profunda. A aridez se radica na humildade. A pessoa, imersa na noite escura do sentido, toma consciência dos próprios limites e recorre muitas vezes mais a Deus” (S. Afonso Maria de Ligório, Solidão e aridez espiritual, Introdução de Alfonso Amarante, cit., pag. 17-18).
A desolação: causas e remédios
“A desolação é uma inquietude devida a vários tipos de agitações e tribulações. A pessoa desolada vive desconfiada, sem esperança, sem amor. […]. Os mestres de vida espiritual individuam três tipos de desolação:
1º) Punitiva: nasce quando Deus se distancia de uma pessoa;
2º) Educativa: é uma correção paterna da parte de Deus. Nasce muitas vezes da lentidão e preguiça na vida espiritual.
3º) Unitiva: “leva a reta consciência de que tudo é dom de Deus” (cit., pg. 19-20).
Don Curzio Nitoglia
https://doncurzionitoglia.wordpress.com/2018/10/23/discernimento-spiriti-secondo-sant-alfonso-de-liguori/
https://doncurzionitoglia.wordpress.com/2018/10/23/discernimento-spiriti-secondo-sant-alfonso-de-liguori/
Notas
[1] O livro se intitula Solitudine e aridità spirituale (127 páginas, 5 euro, código 85 93) e pode ser pedido ao Editor com o número verde 800 03 04 05 ou através do email ordina@editriceshalom.it
[2] Cfr. A. Royo Marìn, Teologia della perfezione cristiana, Roma, Paoline, VI ed. 1965,La notte del senso, pp. 506520; La notte dello spirito, pp. 522-526; A. Tanquerey,Compendio di teologia ascetica e mistica, Roma-Tournai-Parigi, Desclée, 1928, Notte dei sensi, pp. 1420-1434; Notte dello spirito, pp. 1464-1468.
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