LA CIVILTÀ CATTOLICA: COMENTÁRIO A CARTA ENCÍCLICA AETERNI PATRIS DEPAPA LEÃO XIII

Fé e razão, Ludwig Seitz (1844–1908), Galeria dos Candelabros.


A REGRA FILOSÓFICA DE SUA SANTIDADE LEÃO P. P. XIII.
PROPOSTA NA ENCÍCLICA AETERNI PATRIS

La Civiltà Cattolica*
Florença, 1879
Tradução: Gederson Falcometa
Revisão: Ana Glaucia Jesus

No tempo da quarta cruzada, os exércitos latinos circundavam Constantinopla pelas partes terrestres; naquela parte em que se espelha no Bósforo combatia a armada veneziana. Grande era o valor daqueles exércitos, mas porque não sendo coordenados sabiamente por um hábil comandante, se fatigavam em vãos ataques; fileiras de heróis irrompiam contra os muros da cidade grega e se batiam como ondas frementes contra os imóveis penhascos. A batalha mudou de aspecto quando Enrico Dandolo, quase octagenário, máxima autoridade da República de Veneza e condutor da armada naval, montado na popa da capitânia, discursou para os seus e os intimou a maneira que deviam todos,subitamente, agir no assaltar a cidade. À voz do valoroso senhor, todas as naves venezianas aproximaram-se dos muros e, para usar as palavras do historiador de Inocêncio III, como um relâmpago caindo em terra, os guerreiros conquistaram vinte e cinco torres e sobre elas hastearam a bandeira de Veneza, entraram vencedores em Constantinopla.Assim é! Se a prudente e oportuna palavra de um expert capitão não for concentrada em unidade de ações,todas as forças dos combatentes, dispersam-se, a guerra prolonga-se, a coragem dos inimigos aumenta, diminui a esperança da vitória ou não se pode vê-la senão distante.

Assim advém no nosso caso. A guerra entre a verdade e o erro e consequentemente , entre bem e mal é antiquíssima,tanto quanto a Igreja  aqui embaixo é militante, por natureza. Mas esta guerra, depois da chamada reforma protestante, tornou-se mais obstinada e feroz, e aos nossos dias se fez universalíssima e ferocíssima. Podemos bem dizer que filósofos e teólogos católicos, os quais são a milicia eleita da Igreja Romana, tem com a voz e com a pena combatido e valorosamente combatem. Mas aquele sapientíssimo Pontífice Leão XIII, que, em tempos tão agitados, regeu com mão firmíssima o timão da mística nave, avisou que dispersavam-se um tanto das nossas forças e por isso, de um lado o nosso valor não era coroado sempre de contente sucesso, e do outro a coragem dos inimigos de Deus e da Igreja insultava assim despudoradamente, e cantava vitória e afirmando que a ciência tinha, em idos tempos , demolido os fundamentais princípios da religião revelada e, no campo do direito, arruinado a própria Igreja.

Ele, com agudíssimo olhar, ainda sabia que a estratégia dos nossos adversários,a época, consistia especialmente em tirar da sociedade a verdadeira filosofia e  substituí-la por falsas, opostas a fé. Para concentrar os dons católicos em uma ação comum e obter com isto unidade e eficácia maior na luta pela verdade, e juntos depor as armas adversárias , em uma Encíclica dirigida a todos os Patriarcas, Arcebispos e Bispos da Igreja determinou aquela que pode-se dizer Regra Filosófica, a ser seguida nas escolas católicas. Esta Regra Filosófica é de máxima importância: como tal é reconhecida por todos; por muitíssimos apreciada; por pouquíssimos contradita; pelos sinceros católicos e pelos verdadeiros sapientes venerada e acolhida com verdadeira alegria. Nós não podemos evitar de considerá-la um pouco, como nos confessamos incapazes de fazê-lo com aquela dignidade que da índole do Apostólico doutíssimo documento é requerida. Suplicamos humildemente ao Sumo Pontífice, a qual bondade se iguala em sabedoria, que benignamente queira nos perdoar não só por aquilo que no nosso escrito mal responderá aos seus desejos, mas também àquilo que diante ao agudo olhar da sua mente parecerá inexato.

A ressaltar bem o alcance desta Regra Filosófica nos beneficiará considerar em primeiro lugar os antecedentes: em segundo examiná-la em si mesma: em terceiro investigar-lhe as consequências. Desta maneira parece-nos que podemos reunir, como em um ponto de vista, se não tudo, ao menos aquilo que mais importa observar em tal propósito e nas adições presentes.

I.
Os antecedentes da Regra Filosófica
estabelecida pelo Sumo Pontífice Leão XIII

Com este nome de antecedentes queremos indicar tudo aquilo que é remotamente e proximamente precedente a publicação da Regra Filosófica e que deixa-nos claro Papa Leão XIII ter feito coisa convenientíssima e sapientíssima ao estabelecê-la. Os bons católicos que crêem com certeza que Jesus Cristo comunicou a Pedro e aos seus sucessores pleníssima autoridade no regimento da sua Igreja, e lhe prometeu uma continua assistência até o fim dos séculos, sem disputar ou discorrer, do fato inferem o direito. Por esta razão, sabendo que o Papa, não a sua pessoa privada, mas como Vigário de Jesus Cristo e Bispo dos Bispos e de toda a Igreja, determinou alguma coisa para o bem da própria Igreja, imediatamente arguem o direito de fazer esta determinação, a respeitam, a aceitam, a realizam, não já propter timorem, mas propter conscientiam; porque sabem que obedecer ao Vigário de Jesus Cristo naquilo que ordena, enquanto tal, é  obedecer ao mesmo Jesus Cristo; como fazer o contrário seria lhe desobedecer. Nem podem os bons católicos serem, com alguma razão nisto, reprovados, por políticos de qualquer governo,seja absoluto, constitucional ou republicano, e que em toda sociedade bem ordenada quer ser reconhecida a suprema autoridade, regida em uma pessoa ,como advém nos governos absolutos, ou coletiva e moral, como acontece nos outros; e se tem em conta de violação ou de insubordinação, a mencionada suprema autoridade, toda insubordinação que se faz contra aqueles que lhe são os vigários e os ministros, em todos os graus da hierarquia social.

Se não que alguns por malignidade, e muitos por falta de reflexão repreendem os católicos por aquela passagem que fazem do fato ao direito, ao qual agora mesmo acenávamos; afirmando que seria tolo fazer o mesmo com respeito às autoridades políticas supremas: assim zombando deles como ovelhas irracionais que, contra aquilo que prescreve a dignidade da natureza humana, deixando-se cegamente reger, aprovando sem conselho tudo aquilo que procede da Sé Apostólica. Tais acusações, feitas nestes dias, se repetindo por todos os jornais libertinos de todos os países, precisamente a propósito da Encíclica Aeterni Patris, não podem por nós transcorrer inobservadas e não redarguidas. A fazê-lo o bastante, se pode perguntar a estes perpétuos detratores da Sé Apostólica, se podem elogiar os princípios laicos, formais concessões e promessas, a respeito da sua autoridade e de seu uso, que vão em igualdade com os feitos por Jesus Cristo a Pedro e aos seus sucessores. A discrepância é suma e evidentíssima; lá onde muitas vezes a soberana autoridade civil ultrapassa os limites do direito no regimento público, e com tudo isso querem os súditos obedientes pela força, quando não são por verdadeiro dever: e esta força se exercita frequentemente muito mais destemida onde existem governos liberais, do que se exercitasse sob certos governos passados, que agora se dizem tiranos, e na realidade eram calmos e paternos.

Todavia, a acusação que se faz de ovelhas desaconselhadas, mereceria uma resposta ácida, porque muito pior que ovelhas desaconselhadas são quase todos os pseudo-filósofos dos nossos tempos, os quais se deixam torpemente levar pelo nariz, não por excelsa autoridade, as quais, consideradas ainda as humanas, são dignas de profundíssimo respeito, mas por charlatões camuflando os semblantes de oráculos e de filósofos. É necessário ter uma fronte de bronze para censurar a nós, no campo da doutrina, servilmente e juntamente dobrar os joelhos não só diante de Kant, Hegel e outros tais, a sabedoria dos quais é similar a sonhos desconexos e vãos, mas ainda aos modernos chefes de escola da seita de Epicuro, os quais brincando entre os átomos eternos que de per si se faz qualquer coisa, até mesmo homens e Deus, e a eterna Vênus único ou principalíssimo  objeto de adoração e de amor.
A reverência que nós fazemos diante das ordenações do Vigário de Jesus Cristo não vão separados de uma subsequente rigorosa demonstração, onde se prova que tal obséquio é racional e devido; demonstra que jamais fizeram e nem podem fazer os incrédulos quando inconsultamente se arrastam em torno de seus oráculos ao modo mais de escravos que de sequazes. Em nosso caso, essa demonstração é feita desta estupenda Encíclica Papal, a qual bastaria só ela para imortalizar o nome do Pontífice que a disse, e a tornar glorioso o seu pontificado para todo o tempo futuro.

De fato, ocupando-se Leão XIII de uma peculiar solicitude pelo estudo da filosofia, outra coisa não fez que seguir a tradição dos padres e doutores da Igreja, que ou o elogiaram ou o usaram constantemente? O Santo Padre na Encíclica, começa dos Padres dos tempos apostólicos, discorre por todos os séculos até os nossos tempos [1], demonstrando que na Igreja foi sempre tido em grande prestígio o estudo da filosofia e desta sempre se fez uso generalíssimo. Do que seque que aqueles que nestes dias nos seus periódicos condenam Papa Leão porque se se ocupou da filosofia, veem juntamente a condenar toda a tradição católica, nisto seguida pelo mesmo Pontífice.

Mas a estes não lhes é pago para indicar historicamente um tal fato, dar a razão deste fato, e o fazer derivar da índole da filosofia e das suas relações com a fé católica, o direito e o dever que tem a Igreja de usar esses meios que são úteis a sua existência, a sua progressiva explicação e a sua defesa. Diziam úteis, porque [2] não quer dizer-se a filosofia humana absolutamente necessária nem ao estabelecimento da Igreja, nem a sua conservação. A filosofia é escrava da fé, não inspira a essência desta, e, como escrava, lhe presta serviços importantíssimos e oportuníssimos.

Primeiramente a filosofia predispõe [3] a outros abraçar a fé cristã, induzindo-lhes a admitir uma quantidade infinita de proposicões quer especulativas, quer práticas, que ele deve abraçar, naturalmente necessitando da luz de sua razão. A mercê da filosofia humana a razão vê na fé uma amiga que lhe estende a mão, a eleva, a nobilita e a reafirma nas suas retas investigações, não a contradiz, não a abaixa; por isso esta é suavemente atraída por ela e disposta a abraçá-la. Que infinita seja a quantidade das proposições que dissemos, a coisa é manifestíssima: porque aquelas cognições [4] que retamente toma a filosofia da contemplação da natureza e se referem a Deus, são todas ou explicitamente ou implicitamente propostas a crença pela fé; e a moral cristã é composta, em boa parte, de princípios de moral filosófica: que a saber na lei natural e eterna, segundo os princípios da fé, quer-se fundar toda lei positiva, como aquela revelada e divina.

Em segundo lugar [5] a filosofia demonstra que Deus é criador, é sapientíssimo, é veracíssimo: onde essa toma a ilação que Ele tem um domínio total e absoluto sobre nós, e então tem pleníssimo direito de propor nos a crer aquilo que supera (se bem que não contradiga) a capacidade da nossa mente; que ele não pode cair em erro confundindo o falso com o verdadeiro, nem pode minimamente deixar-nos em engano, obrigando-nos a aceitar por verdadeiro aquilo que sabe ser falso. De onde advém que quando o homem conhece o fato da revelação: ou quando ele aprende que uma coisa é revelada, pode ser excitado pelos próprios princípios da filosofia a admiti-la, apoiando-se na onisciência e veracidade de Deus; e este predispor-se a aceitar a fé vem coroado da obra da graça, a qual dá ao ato  sobrenatural de crer a sua dignidade.

Em terceiro lugar [6] a filosofia nos ensina ser absolutamente impossível e que exista efeito sem causa, e que esta não seja proporcional a produção daquele. Essa te demonstra que os milagres, com os quais desde o princípio do cristianismo lhe foi comprovada a verdade e a divindade, são fatos de existência dos quais não pode se existir dúvida prudente, e além disso são eles de tal índole de não poderem ser produzidos por nenhuma causa criada, por própria virtude natural. Por qual coisa a própria filosofia nos ensina que aqueles fatos se devem levar em conta como vozes do próprio Deus, que com esses torna infalível o testemunho da fé revelada, a qual, por isso mesmo, tem um luminosissímo caráter de verdade.

Em quarto lugar [7] o verdadeiro filósofo apoiado ao natural princípio de causalidade, tem por firme que não só a propagação da fé cristã, mas ainda a sua conservação supera os limites das causas naturais: como aquelas causas que naturalmente se aniquilaram todas as sociedades, nada podem contra a Igreja, e pelo contrário a ilustram e lhe multiplicam os fiéis; tanto que passou em princípio, desde ab antiquo, aquele dito que os novos cristãos pululam do sanguem dos mártires. Lá onde para não incorrer no absurdo que exista efeito sem causa proporcional, o filósofo está disposto a admitir que e na propagação e na conservação da fé e da Igreja cristã, está o braço da onipotência divina. Então, a ilação, que aquela fé e esta Igreja são de Deus.

Filosofando [8] sobre o belo aspecto que nos dá a Igreja, ou se diga respeito a sublimidade, a nobreza, a pureza da sua doutrina; ou se considere a sua operosidade para produzir em todos verdadeira, interna e perfeita e santidade, e a conveniente proporção dos meios que emprega para este altíssimo fim; ou se reflita sobre a caridade dos seus filhos, a constância nas provas mais difíceis até dar a vida pela fé professada e para não cometer alguma sorte de culpa, se vem a inferir que essa Igreja entende exprimir nos homens a imagem das divinas perfeições e com isto tende eficazmente a glória divina. Lá onde essa deve necessariamente ser a Deus cara e dileta: e todo homem pode tranquilamente estar no seu seio, certo de fazer nisto a divina vontade.

Em sexto lugar [9], a filosofia é aquela que dá a sacra Teologia a natureza de verdadeira ciência. De fato ciência não é uma simples proposição de verdades reveladas e certas pela fé; mas é uma cognição deduzida de princípios firmes, imutáveis e evidentes. E precisamente a filosofia administra a lógica, sem a qual não pode existir aquela cognição deduzida. Que se as verdades reveladas sobre inteligíveis não são a nós intrinsecamente evidentes, porque não pode a nossa mente ver o íntimo nexo que liga o predicado com sujeito daquelas proposições onde são expressas, a filosofia lhes dá uma evidência extrínseca que se apoia a naturais motivos de credibilidade ora indicados. Por esta evidência extrínseca, que a filosofia dá as verdades reveladas, as quais por si mesmas são firmes e imutáveis, ela atribui o caráter de princípios científicos. Essa recolhe em um só silogismo maior e menor revelados, ou a uma proposição revelada, conjuga outro proposição que é certa e evidente a luz da razão e lhe infere ilações científicas. A filosofia ainda aplica a teologia os seus métodos científicos ora analítico, ora sintético, de guisa que a mesma teologia apareça verdadeira ciência e no seu todo e nas suas partes.

E porque todas as coisas criadas são efeitos da divina onipotência e o efeito deve sempre em qualquer maneira assemelhar a causa da qual é produto, segue que nas coisas deve sempre resplandecer ou a imagem ou a similaridade ou, por assim dizer, algum vestígio qualquer de Deus Uno em sua natureza e Trino nas pessoas. Pela mesma razão o modo sobrenatural, com o qual Deus opera na ordem da graça deve também ser esboço do operar divino na ordem da natureza. Por isso diz respeito a filosofia fornecer ao teólogo belas e ajustadas analogias [10], em virtude das quais, embora o mistério, no campo sobrenatural especulativo e prático, não seja feito perspícuo e evidente, todavia torne-se mais próximo a razão humana: e esta no contemplá-Lo experimente aquele prazer nobre e agradabilíssimo que Dele provém.

Finalmente a filosofia merecidamente quer dizer-se propugnáculo da fé [11], porque essa fornece a teologia a espada e escudo para ofensa e defesa contra os seus adversários. Isto faz de duas maneiras. A primeira, dando as leis uma justa polêmica e indicando todas as formas sofísticas com as quais os erros são usados combatendo a verdade. A segunda, opondo aos assaltos que se dão a fé em nome da falsa ciência, as defesas que a ciência verdadeira toma da própria fé. Visto que é de se recordar a memória que os inimigos da fé, tem buscado colocá-la em descrédito diante de todos, esforçando-se para fazê-la passar como contrária aos princípios inconcussos da razão. Pelo que é necessário mostrar que isto não é verdadeiro: entre tais princípios e a fé se existe real oposição, não são princípios de razão, nem ilações científicas, mas falsas asserções; e que entre os sinceros princípios de razão e a fé se pode clarear perfeita concórdia, ou ao menos se pode demonstrar que real discórdia não existe.

O Santo Padre Leão XIII tocou com brevidade e precisamente estes oito pontos, dos quais se fez manifesto que o nexo entre a fé e a filosofia é estreitíssimo: o diremos similares àqueles da alma com o corpo humano. O corpo humano presta a alma imensos serviços, esta depende dele para exordiar a própria existência. Igualmente a fé deve resguardar a filosofia como sua fiel serva, onde tira utilidade imensa: e se bem que a fé seja mais nobre que a razão, que é a fonte da filosofia, como a alma é mais nobre que o corpo; todavia aquela não pode existir sem que seja em um sujeito racional e então associada a própria razão. Da utilidade que a fé pode ter para a filosofia tira o Santo Padre a ilação, que então os Padres e Doutores da Igreja, antes a própria Igreja representada nos Concílios ou nos sumo Pontífices Romanos, bem fizeram cuidando da filosofia; que antes lhe tinham direito e em certo modo dever.«Nec spernenda nec posthabenda sunt naturalia adiumenta, quae divinae sapientiae beneficio, fortiter suaviterque omnia disponentis, hominum generi suppetunt; quibus in adiumentis rectum philosophiae usum constat esse praecipuum. Non enim frustra rationis lumen humanae menti Deus inseruit; et tantum abest, ut superaddita fidei lux intelligentiae virtutem extinguat aut imminuat, ut potius perficiat, auctisque viribus, habilem ad maiora reddat. Igitur postulat ipsius divinae Providentiae ratio, ut in revocandis ad fidem et ad salutem populis, etiam ab humana scientia praesidium quaeratur; quam industriam, probabilem ac sapientem, in more positam fuisse praeclarissimorum Ecclesiae Patrum, antiquitatis monumenta testantur [12].»
Mas então demandemos: para todos os padres e doutores da Igreja e depois para aqueles grandes mestres da humana e da divina ciência quais eram os escolásticos, nunca existiu uma licença ilimitada para filosofar e aquele arbítrio de esposar a teologia com qualquer estranha filosofia como a dos pseudo-filósofos dos nossos dias também querem? Não, jamais! Os padres e os doutores da Igreja obtiveram dos antigos filósofos da Grécia muitíssimos filosóficos princípios, imitando os hebreus [13] os quais não levaram secos, saindo do Egito, os vasos desprezíveis de argila que pertenciam aos egípcios; mas sim cópias grande de prata e de ouro. Não seguiam as pessoas dos filósofos gregos, mas a verdade por eles proposta; e se platonizava Santo Agostinho, fazia-o, como adverte o Aquinate, tornando o platonismo cristão. E isto vê-se egregiamente no próprio Aquinate, o qual atém-se em verdade a filosofia de Aristóteles, mas purificado dos seus erros, e nessa sinteticamente se concentrou a filosofia empregada pelos padres e doutores da Igreja nos séculos que o precederam. O fazer de outra forma seria estultícia, e uma traição ao depósito da revelação. De verdadeiro, a fé sendo verdade, essa é por sua natureza inconciliável com o erro; por isso estulta coisa seria estabelecer uma falsa filosofia como sua serva. Certamente lhe serviria mal; ou, melhor, uma falsa filosofia encontraria-se em uma contínua e evidentíssima oposição a mesma.

O Doutor Angélico, que alguns dos próprios adversários da Encíclica veneram como o maior engenho filosófico da Itália, ordinariamente fixou aquela que se diz filosofia cristã. Não tal certamente porque lhe sejam estadas definidas dogmaticamente todos os seus princípios, mas porque se esposou universalmente a Teologia, e porque os sumos Pontífices e os Concílios [14] a recomendaram, ou também por vezes a prescreveram; e porque geralmente se ensinou nas escolas católicas.

A qual aprovação, por parte dos Papas, por vezes foi dada em geral fazendo-se alusão a doutrina de Santo Tomás. Por vezes explícita de qualquer proposição filosófica de suma importância, com a qual conectam-se, muitíssimos princípios filosóficos; como é, por exemplo, o modo de união da alma com o corpo. Às vezes indireta, apresentando-se ou inculcando-se a teologia do Aquinate: porque tratando-se de teologia escolástica, que é o casamento da razão com a fé, a filosofia dessa é de fato inseparável: por isso louvando aquela, necessariamente também, a esta se louva. E isto que aqui dizemos é tão verdadeiro, que se agradasse a alguém a torre das obras do Aquinate tudo aquilo que é filosófico, e deixasse a pura positiva teologia, essa reduziria-se a um belo nada. E sobre este belo nada cairiam os encómios, as aprovações e as prescrições?

Leão XIII que despendeu grande parte da doutíssima Encíclica em discorrer sobre o mérito singularíssimo, em respeito a Igreja, da filosofia do Angélico, não dignou nem sequer uma palavra, nem as más supostas condenações feitas por um tal Bispo de Paris* e nem ao conciliábulo de Oxford. E fez egregiamente: assim requeria a sua autoridade suprema e a sua altíssima dignidade. Nós não gastaremos tempo com históricas observações para contentar aqueles jornalistas maliciosos ou irrelevantes, que colocam com pouca importância ou desprestigiam as sentenças da Sé Apostólica e dos Concílios, e fingem reverência (repetindo como papagaios as supostas condenações) àquela assembléia de Oxford que só é digna de ser abandonada e esquecida. Estes tais são similares àqueles, se embora não sejam os mesmos, que consideram desprezíveis os maiores pensadores antigos e modernos, nem dignando-se de lhes recordar os nomes, e e exaltam como sumo filósofos certos mercadores de ninharias, que não entendem nem mesmo os primeiros e evidentíssimos princípios da filosofia, qual é o princípio de contradição e aquele de causalidade, que torpemente tem por sinônimos o ser e o não ser, que o efeito confundem com a causa, e afirmam que aquele não precisa deste. Coisa de manicômio, mas que agora admira-se e venera-se por amor de progresso, postergando e ridicularizando tudo aquilo que em filosofia há de grande, e nós ainda diremos, tudo aquilo que há de italiano [15].

Se não que quando nós dizemos filosofia cristã dos Padres e dos Doutores escolásticos, daquela nós entendemos falar que é verdadeiramente filosofia, a qual é sapientemente contraposta pelo Santo Padre a física moderna [16]. Aquela é essencialmente racional, os seus princípios são evidentes; as suas ilações são sujeitas a demonstrações; todas as suas teses são universais. A física moderna, de que falamos, é ordenada a coleção dos fatos, conhecidos por meio da experiência. Onde vem que se esta física se pode dizer ciência, porque é com ordenado método proposta; não se pode dizer tal naquele sentido em que a palavra ciência era empregada pelos escolásticos, para os quais a ciência deveria apoiar-se em princípios racionais, certos e evidentes, e não era reputada ciência a proposição de fatos admitidos por outra autoridade ou conhecidos apenas pela própria experiência.

Daqui vem primeiramente que a filosofia, de que fala o Santo Padre, tem por objeto a essência das coisas, e aquelas propriedades que surgem das próprias essências. Isto é o verdadeiro objeto, seja que trate de Deus, seja que trate das inteligências separadas, do homem, dos brutos, das plantas e dos inorgânicos. Secundariamente se faz manifesta a ignorância ou a malícia daqueles que para vilipendiar a filosofia escolástica, lhe atribuem algumas risíveis sentenças em torno a alquimia ou a astrologia, que lhe são de fato estranhas, como se os filósofos escolásticos até mesmo as aceitassem em suas obras.

A filosofia escolástica do Aquinate reinou nas escolas católicas, pode-se dizer somente e unicamente, por muitos séculos: pelo fato que as discrepâncias entre os Doutores católicos eram fora do verdadeiro campo filosófico ou eram raríssimas; ou ainda eram em objetos secundários. A pretensa reforma, dividiu com iníquas facções a grei de Cristo, quis destruir o vínculo onde divinamente a teologia estava esposada com a filosofia, e por isso não quis saber de teologia escolástica. Desventuramente nisto os protestante se associaram a muitos filósofos católicos, ludibriados pelos sofismas ou pela prepotência daqueles.«Adnitentibus enim novatoribus saeeuli XVI, placuit philosophari citra quempiam ad fidem respectum, petita dataque vicissim potestate quaelibet pro lubito ingenioque excogitandi. Qua ex re pronum fuit, genera philosophiae plus aequo multiplicari, sententiasque diversas et inter se pugnantes oriri, etiam de iis rebus, quae sunt in humanis cognitionibus precipuae. A multitudine sententiarum ad haesitationes dubitationesque persaepe ventum est; a dubitationibus vero in errorem quam facile mentes hominum delabantur, nemo est qui non videat. Hoc novitatis studium, cum homines imitatione trahantur, catholicorum quoque philosophorum animos visum est alicubi pervasisse: qui patrimonio antiquae sapientiae posthabito, nova moliri, quam vetera novis augere et perficere maluerunt, certe minus sapienti consilio et non sine scientiarum detrimento. [17]». O separar a filosofia da teologia era lógico e necessário àqueles que queriam destruir a fé católica, por dois motivos: o primeiro porque aquela, como demonstrou Papa Leão, é verdadeira serva desta; nos demonstra os motivos de credibilidade; desfaz todas as dificuldades que contra a fé fazem em nome da ciência, e torna a própria fé aos doutos mais acessível e mais dileta. Em segundo lugar porque não  podendo haver oposição verdadeira entre a sincera filosofia e a fé, e também querendo demonstrar que tal oposição existia, foi depois da abertura a introdução de falsas filosofias que necessariamente, porque tais, a fé se opõem.
Emancipada a filosofia do respeito a fé e, portanto, removida da vigilância direta e plena da autoridade infalível da Sé Apostólica, não houve uma filosofia louca que não viesse introduzida. Panteísmo, materialismo, idealismo, niilismo, positivismo, transformismo, epicurismo: tais e tantas estultícias formam o tesouro da filosofia emancipando-se da fé nestes últimos séculos. E aqui considerando os antecedentes que atém-se a Regra Filosófica estabelecida pelo Santo Padre, não podemos esconder aquilo que ele mesmo toca e deplora. A saber que mesmo filósofos católicos abandonada, com ligeireza, a filosofia do Aquinate perderam-se, tal fala, atrás de fantasias dos não católicos, se bem que não caíssem nas filosóficas enormidades deles; ou examinando-se o fabricar-se de novos sistemas filosóficos sem o fundamento da verdade. Onde, como observa o mesmo Santo Padre [18], por uma parte temos uma filosofia louca e ímpia que tudo corrompe e da destruição da ordem especulativa ocorre a destruição da ordem prática; da outra parte temos uma contínua flutuação e instabilidade, pela qual os católicos, divididos entre eles e duvidosos, são pouco adequados a debelar o erro e impedir males infinitos que sobrevém a Igreja e a sociedade civil.

Enquanto isso os Papas os quais tinham o direito e o dever de pôr toda a solicitude afim de que o depósito da fé não sofresse alguma calamidade, e por isso tinha (como acima dizíamos com o Santo Padre) o direito e o dever de vigiar a filosofia, não faltaram de fazer ouvir a própria voz. Condenaram falsas proposições filosóficas ora especulativas, ora práticas; por meio das Congregações Romanas censuraram muitíssimas doutrinas filosóficas e condenaram infinitos livros, que ex professo tratavam de filosofia, especialmente dos chefes de escola. Com tudo isto não se teve um remédio universal e eficaz. As novas seitas filosóficas continuaram a pulular e durava ainda em muitas escolas católicas a discrepância em pontos de grande momento e então a confusão e a fraqueza. Não se pode não ser sobrecarregado de altíssima maravilha pensando que neste mesmo século, nas escolas regidas muitas vezes por homens da Igreja, dava-se uma filosofia empírica sobre as pegadas de Locke e de Condillac, e que desta filosofia empírica passou-se também, em muitas escolas católicas, a ensinar o ontologismo e uma espécie de ocasionalismo. Em muitíssimos cursos filosóficos dos leigos e por vezes também de eclesiásticos não se tinha respeito a que pontos filosóficos que dos Concílios e das Congregações Romanas foram determinadas; e o Anjo das escolas, o sumo filósofo, por muitos não era nomeado nem em sonho, quase fosse um homem barato: enquanto que o título honorífico de filósofo dava-se a homens de engenho medíocre, de fantasia desenfreada, e aqueles sonhos desconexos tinham em conta de especulações sublimes e plenas de verdade.

Se não que nestes últimos anos andou-se universalizando um desejo de reforma filosófica: a filosofia escolástica quer-se remeter em honra e muitos analisando-se de demonstrar que o angélico doutor Santo Tomás nos deu em suas obras um completo sistema de filosofia, o melhor de todos os propostos nestes últimos séculos, o qual egregiamente pode-se e deve-se conciliar com certos descobrimentos das ciências modernas e com as ilações que, logicamente e segundo a verdade, deduzem-se dos próprios fatos. Tais cursos de filosofia escolástica elementar foram impressos segundo a doutrina do Aquinate; em muitas obras separadas discutiram-se os pontos principais do sistema de Santo Tomás, e demonstrou-se a insubsistência real e a falsidade de todos os sistemas opostos. Despontaram aqui e lá Academias de Santo Tomás e digna de comemoração honorabílissima é aquela de Perúgia fundada pelo seu Arcebispo, agora sumo Pontífice, e aquela de Nápoles Cardinal Riario Sforza. A Academia filosófico-médica de Santo Tomás fundada em 1874 nestes últimos cinco anos explicou uma peculiaríssima e universal energia e obtém sucessos, tendo em conta a condição dos tempos, inesperados. O periódico La Scienza italiana (vinda como auxiliar do nosso, que a muitos anos propõe a doutrina do Aquinate) escrita somente por sócios acadêmicos, tomou para si a tarefa de demonstrar que os cardeais princípios da filosofia de Santo Tomás (os quais se propõem a seguir no diploma acadêmico, e são recomendadas no Breve Imperituro de Pio IX, com o qual a estes louva e aprova a própria Academia) não opõem-se àquilo que é de verdadeiro e certo na moderna ciência, se bem que opõem-se as infundadas hipóteses de muitos cientistas modernos. A Sé Apostólica durante o Pontificado de Pio IX aplaude a este movimento geral de retorno a filosofia escolástica: em cem ocasiões àqueles que o excitavam demonstrou-se favorável: mas não prescreveu a própria doutrina nas escolas católicas.

A este movimento opunham-se diante dos modernos adversários do catolicismo, os quais professam, quase todos, a filosofia teorética e moral de Epicuro. O próprio movimento foi com grande ardor combatido por muitos filósofos católicos, os quais temiam que o retorno a tanto odiada filosofia escolástica e do Peripato não conduziria gravíssimas consequências e cismas especialmente entre doutos laicos. Enquanto a ordem social andava para a ruína: a guerra, em nome da ciência contra a Igreja, se fazia com tal calamidade, a poder afirmar-se que em quase todas as obras eruditas dos modernos pseudo-filósofos, que o antagonismo entre a fé e a ciência era evidentíssimamente clareado e que ou devia-se renunciar a ciência e aos direitos da razão, ou a fé católica.

Estes são os antecedentes que precederam a Regra Filosófica dada pelo Papa Leão XIII na Encíclica Aeterni Patris. Tal sendo o estado das coisas, contra os detratores deste sapientíssimo Pontífice dado por divino favor a Igreja, nestes tempos tempestuosos,quer demonstrar-se ,que convenientíssimamente ,ele deu-se a reformar a filosofia, e que prudentíssimo, oportuníssimo e justíssimo é o modo onde quer que tal reforma seja feita. Não façamos esta demonstração, para que os católicos sinceros curvem-se a autoridade Pontifícia: não precisam. O verdadeiro católico acolhe as instruções que o Vigário de Jesus Cristo faz não como de pessoa privada, mas como Bispo de toda a Igreja católica, com respeito, com plena submissão, externamente e internamente, propondo-se de aplicá-las, o quanto está em seu poder e a ele dizem respeito. Mas como filósofo contra o ímpio ou os estultos dá-se, filosofando, a justificar as obras de Deus e os decretos da sua divina providência, assim possamos nós fazer das ordenações também solenes da Sé Apostólica.
CONTINUA…
*La Civiltà Cattolica anno XXX, serie X, vol. XI (fasc. 702, 9 settembre 1879), Firenze 1879 pag. 657-672.
Notas:
[1] Ad agevolare le citazioni dell’Enciclica diamo ad ogni capoverso un numero progressivo. — Per la presente citazione vedi nn. 4, 10 e segg.
[2] Encicl. n. 2.
[3] Encicl. n. 4.
[4] Encicl. n. 4 cit.
[5] Encicl. n. 5.
[6] Encicl. n. 5 cit.
[7] Encicl. n. 5 cit.
[8] Encicl. n. cit.
[9] Encicl. n. 6.
[10] Encicl. num. cit.
[11] Encicl. n. 7.
[12] Encicl. n. 2.
[13] Encicl. n. 4.
[14] Encicl. n. 11, 12.
[15] Si legga sopra questo punto l’opera del Cornoldi: Prolegomeni della filosofia Italiana ecc.
[16] Encicl. n. 22.

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