DON CURZIO NITOGLIA: O EQUÍVOCO GUENONIANO




Don Curzio Nitoglia
Tradução: Gederson Falcometa

“Tradição” espúria guenoniana

René Guénon († 1951) evidenciou, criticando, a crise do mundo moderno e reabilitou a Tradição. Mas qual é a Tradição a que ele se refere e qual é o aspecto da Modernidade que criticou nas suas obras?

A Tradição guenoniana não é a Tradição apostólica, mas a “Tradição primordial”, ou seja, um conhecimento (gnosis) iniciático/esotérico, auto-salvífico e até mesmo auto-divinizante mediante apenas o conhecimento (gnosis) do iniciado na escola de um mestre (guru) ou um sábio (eleito).

A iniciação guenoniana é ativada e se adquire naturalmente por parte do iniciado mediante a gnose ou conhecimento esotérico; essa é profundamente diferente da Mística cristã, que é passiva mas a qual é preciso então corresponder, é sobrenatural e infundida pelo Espírito Santo na alma do justo.



Guénon filo-maçom cabalista anti-cristão

No ocidente, segundo Guénon, a única força capaz de transmitir a Tradição primordial seria a Maçonaria especulativa e mística, ou seja, cabalista (dado que a filosofia esotérica da Maçonaria é a cabala hebraica), e não seria mais a Igreja Católica, que teria perdido desde os primeiros séculos a verdadeira Tradição esotérica. Todavia, paradoxalmente (mas não muito) segundo os guenonianos a teria re-encontrado com os Decretos pastorais do Concílio Vaticano II Nostra Aetate e Unitatis redintegratio, que propõem o pan-ecumenismo ou a unidade transcendente de todas as religiões, tanto auspiciada por parte de Guénon e Schuon.

No oriente, para Guénon, a filosofia hindu seria ainda mais perfeita transmissora da Tradição primordial que a Maçonaria cabalista no ocidente. Ora, o hinduísmo e o budismo são uma filosofia niilista fundada sobre o nada, que está a frente do Niilismo filosófico da pós-modernidade de Nietzsche, da Escola de Frankfurt e do Estruturalismo francês, que nos levou ao cumprimento e a superação do pior da Modernidade, ou seja, ao paroxismo ultra-moderno e pós-moderno que se desencadeou com toda virulência com o Sessenta e oito. Mas como se faz para criticar a crise da Modernidade buscando curar a pós-modernidade que é ultra-moderna? Se pode talvez curar a um resfriado com a pneumonia? E a pneumonia com um câncer nos pulmões?
A Tradição primordial também é chamada por Guénon de “meta-física”, ou seja, acima (metà) do mundo material (tà physicà). Todavia a meta-física guenoniana não tem nada a que compartilhar com a platônica, aristotélica e tomista. De fato, essa está além, acima não tanto do mundo físico quanto sobretudo da Religião revelada e positiva especialmente católico-romana, que seria para Guénon uma Tradição desviada.

Então, mais que de meta-física, em Guénon, se deveria falar de meta-religião, termo usado pelo padre do neo-modernismo Pierre Teilhard de Chardin († 1955) que com a doutrina panteísta e pancristica do “Cristo cósmico”, falava de “meta-cristianismo”. Ora, deixa mais que perplexo o fato que o contestador da crise do mundo moderno o critique baseando-se no Modernismo filosófico/teológico, que é a expressão mais radical da Modernidade. Como deixa perplexo o fato de que Julius Evola († 1974) se revoltasse contra o mundo moderno seguindo o Idealismo absoluto de Schelling, produto último e mais paroxístico que o Eu hegeliano, subjetivamente criador da realidade, corrigido com uma pitada de mágia.

Em ambiente católico tradicional e anti-modernista muitas vezes, de boa fé, se equívoca a respeito do guenonismo (mas não vice-versa) tomando os termos Tradição e Modernidade em sentido estritamente católico, enquanto para Guénon são termos ou conceitos idênticos, que tem um significado totalmente diverso (equivoco). Caindo assim na armadilha de Guénon, que sempre buscou, desde a sua juventude, infiltrar o catolicismo para erodi-lo a partir de seu interior como fizeram o Gnosticismo no século II e o Modernismo no século XX. Não por acaso o Modernismo e o Gnosticismo contém no seu profundo as doutrinas esotéricas, ocultas e iniciáticas a qual se refere Guenon.

Tradição Cristã

A Tradição católica é a divino apostólica. A Tradição juntamente com a Bíblia é uma das duas “fontes” da divina Revelação. Essa é também a “transmissão” (tradere, transmitir) oral de todas as verdades reveladas por Cristo aos Apóstolos ou sugeridas a eles pelo Espírito Santo, e que chegaram a nós mediante o Magistério sempre vivo da Igreja, na série nunca interrompida de sucessores de Pedro, assistida por Deus até o fim do mundo.
A Tradição juntamente com as Sagradas Escrituras é o canal contentor (Tradição passiva) e o veículo transmissor (Tradição ativa) da Palavra revelada.

A tradição cristã se divide em

a) Tradição divina (ensinada diretamente por Cristo aos Apóstolos);
b) Tradição divino-apostólica (os Apóstolos não a escutaram da boca de Cristo, mas a tiveram por inspiração do Espírito Santo).

Essa consiste naquelas verdades ou preceitos morais, disciplinares e litúrgicos, os quais derivam diretamente de Cristo ou dos Apóstolos enquanto promulgadores da Revelação, iluminados pelo Espírito Santo, e transmitidas – mediante os Padres apostólicos, apologistas e eclesiásticos – aos homens de todos os tempos incorruptas até o fim do mundo, por isso ela é objeto de fé divina.

Os primeiros ‘Discípulos” dos Apóstolos receberam de maneira direta e imediata a Tradiçao da boca dos Doze, enquanto os posteriores a recebem de maneira indireta e mediada, através do ensinamento dos sucessores de Pedro (Papas) e dos Apóstolos (os Bispos) cum Petro et sub Petro: o Magistério é o órgão da transmissão ininterrupta da mesma herança recebida dos Apóstolos por parte de Cristo ou do Espírito Santo.

A Tradição oral não excluí que depois venha a ser colocada por escrito, mas não sob a “divina Inspiração” (como ao invés a S. Escritura) enquanto, com o passar do tempo, a transmissão a voz vem fixada em documentos escritos ou em epígrafos. Por exemplo a validade do Batismo dos recém nascidos é Tradição, porque é palavra de Deus não escrita sob divina inspiração, mas é atestada unanimemente por quase todos os antigos escritores eclesiásticos. Todavia, o escrito é apenas um subsídio da Tradição oral. Onde podem ser Tradições ou ensinamentos divino/apostólicos dos quais nada foi escrito. Será a voz do sucessor de Pedro ou da Igreja, ou seja, o Magistério vivente na pessoa do Papa atualmente reinante a garantir que tais verdades são de origem divina ou divino/apostólica. Só neste sentido subjetivo se pode falar de Tradição “vivente” ou melhor ainda de Magistério vivente, enquanto o ensinamento divino ou apostólico, objeto da Tradição, vem transmitido ininterruptamente pela cadeia dos Papas vivos “todos os dias (e em ato) até o fim do mundo”.

É doutrina comumente ensinada que a Tradição é mais rica que a sola Scriptura.
Mais rica:
1º) em antiguidade (também a Escritura antes de ser colocada por escrita foi Tradição, enquanto transmissão a viva voz da Revelação divina);
2º) em plenitude (enquanto a Tradição contém todas as verdades reveladas ao passo que a Escritura não) e
3º) em suficiência (porque a Escritura tem necessidade da Tradição para estabelecer a sua autoridade).
O Tradicionalismo clássico do século XVIII francês é um sistema que deprecia a capacidade cognoscitiva da razão humana e lhe substituí com a “Tradição primitiva do gênero humano” ligada a gênese da linguagem e a Monarquia de direito divino.

Tradicionalismo político, filosofia política tomista e doutrina social da Igreja

Segundo de Bonald (Teoria do poder político e religioso na sociedade civil, 1796) também a doutrina política sobre a origem da sociedade civil e sobre única (para ele) verdadeiramente boa forma de governo (Monarquia hereditária e absoluta de direito divino) foi dada, como a linguagem, por Deus a humanidade. Então, o monarquismo absoluto bonaldiano faz uma reductio ad unum com o Tradicionalismo fideísta da gênese da linguagem.

Segundo esta teoria o poder viria imediatamente de Deus ao chefe, sem passar através do povo como canal. Deus escolheria um indivíduo sobre o qual conferiria o poder. Ora, isto é verdadeiro para a Igreja Católica, para o Rei do Antigo Testamento, mas não para a autoridade humana do Novo Testamento.
Ao invés disso – segundo Aristóteles e Santo Tomás – a autoridade vem de Deus como causa remota, mas Deus não manifesta (per se ou normalmente) diretamente qual seja a pessoa ou o regime de governo que deva exercitar o poder (pode fazê-lo per accidens ou excepcionalmente, mas em filosofia se leva em consideração o per se, ou seja, a regra, e não a exceção). A pessoa é escolhida do corpo social. O povo, porém, atenção!, não cria o poder, mas designa a pessoa que o deve exercitar.

A Monarquia de direito divino, na qual o rei obtém o poder diretamente de Deus, se presta a uma dúplice interpretação:

a) o poder deriva, como de fonte remota, de Deus, e isto é de Fé: “todo poder vem de Deus” (Rm XIII, 1);
b) a autoridade real deriva diretamente ao Príncipe de Deus, e por isso é separada (ab-soluta) de qualquer vínculo ou dependência (do Papa, da Igreja e do povo, mesmo quando o monarca se torna tirano) e isto é contrário a sã doutrina.

O “poder delegado do povo canal” é a tese ensinada pela primeira escolástica (S. Tomás), pela segunda escolástica (Belarmino e Suárez), pela terceira escolástica, pelos teólogos aprovados do século XX e XXI e – ininterruptamente – pelo Magistério eclesiástico a partir de Gregório XVI até Pio XII. A escolha do chefe pertence ao corpo social, entendido como sanior pars, de modo que a autoridade trabalhe pelo bem comum. É preciso especificar que o povo (que não é a massa amorfa) “tem” o poder apenas para comunicá-lo ao chefe, ou seja, o povo é sujeito imperfeito ou transitivo ou “via” do poder, enquanto o chefe “é” sujeito perfeito e permanente desse; isto é o chefe detém estavelmente o poder como seu, uma vez dado-lhe ele não pode ser tirado-lhe pelo povo a seu capricho (a não ser em caso de tirania); ele tem a autoridade estavelmente, porque lhe vem, mediante o povo-canal, de Deus.
Esta é a doutrina escolástica e católica ou a teoria tradicional do poder-delegado diametralmente diversa daquela tradicionalista fideísta de de Bonald, de Maistre e sequazes. Deus é fonte remota de poder, o povo lhe é apenas canal de transmissão e, uma vez que a comunidade normalmente não sabe perfeitamente e estavelmente, exercitar o poder, eis a necessidade de escolher uma pessoa (ou mais, segundo a forma de governo) a qual transfere o poder e na qual o poder permanece estavelmente.

Santo Tomás ensina que as possíveis formas de governo são três: monarquia, aristocracia, politéia (hoje ‘democracia’ clássica, essencialmente diversa do ‘democratismo’ moderno de Rousseau). Ele considera a monarquia como a primeira forma de governo (o governo de um só), que, porém, pode degenerar em tirania. A segunda forma de governo considerada pelo Aquinate é a aristocracia (governo dos melhores ou virtuosos), que pode degenerar em oligarquia, ou seja, tirania de poucos. A terceira forma é a politéia (governo dos magistrados ou dos cidadãos/militares) ou timocracia (governo no qual os cargos são atribuídos tendo por base a honra e a força da sanior pars populi). Hoje, em lugar da politéia ou timocracia, prevaleceu o uso da palavra democracia – que para os clássicos e os escolásticos tinha já de per sé uma valência negativa – a qual pode degenerar em demagogia, como se diz comumente hoje.

A melhor forma de governo segundo S. Tomás e o Magistério não é aquela de de Bonald

Segundo a tradição escolástica, a melhor forma de governo não é a monarquia absoluta e hereditária de direito imediatamente divino (como queria de Bonald), mas é uma forma “mista”, dada a malícia do homem ferido pelo pecado original que facilmente é levado a degeneração. Na Suma Teológica (I-II, q. 95, a. 4) Santo Tomás escreve: “existe um certo regime, que é um misto destas três formas, o qual é o melhor”. E ainda: “a melhor forma de poder é bem temperada pela união da monarquia, em que comanda um só, e pela aristocracia, em que comandam os melhores ou os virtuosos, e pela democracia, que é o poder do povo, enquanto os Príncipes podem ser escolhidos na classe popular e podem ser eleitos pelo próprio povo” (S. Th., I-II, q. 105, a. 1). Todo bom regime deve, então, ser misto e radicado no princípio de povo-canal, que transmite tarefas e funções de governo ao homens aptos, preparados e honestos (os melhores); enquanto ao vértice, a suprema unidade de governo pertence a um homem prudente e maduro (o monarca).

Santo Tomás, retomando e aperfeiçoando o ensinamento de Aristóteles, sublinha que a monarquia é mais nobre que a aristocracia e esta o é mais que a democracia. Todavia, Santo Tomás alerta para os perigos da monarquia, não enquanto perigosa em si mas por causa da malícia do homem. Se pode, então, concluir que a mais nobre forma de governo, a monarquia, é bom que seja temperada pela aristocracia e pela timocracia ou democracia (obviamente não a democracia moderna ou demagogia, segundo a qual o poder não deriva de Deus mas do homem).

Na sua obra De Regimine principum Santo Tomás explica ser necessário que os homens, vivendo em sociedade, sejam governados por alguém: “se é natural para o homem viver em Sociedade, é necessário que entre os homens exista algum que governe o povo. De fato, quando os homens são em muitos, se cada um provesse apenas aquilo que lhe serve, o povo se fragmentaria nos seus componentes, supondo que não existisse quem se ocupasse do bem comum; assim como o homem se dissolveria se no corpo não existisse uma faculdade coordenadora geral (o cérebro) dirigida ao bem comum de todos os membros […]. Se uma multidão de homens é ordenada pelo chefe para o bem comum de todos, o governo será reto e justo. Se ao invés o governo é ordenado não ao bem comum, mas ao bem privado do chefe, será injusto e perverso”.

O Aquinate explica, além disso, que é mais útil que uma multidão de homens seja governada por um só, ao invés de muitos. Isto enquanto o um por essência pode garantir a unidade melhor que muitos indivíduos. Então, é mais útil que o governo de um só que de muitos. Mas Santo Tomás alerta para o perigo que também a melhor forma de governo, por causa das consequências do pecado original, pode degenerar e se tornar tirania de um só que é pior que a tirania de poucos (oligarquia) assim como esta é pior que a tirania de muitos (demagogia). A coisa melhor se contrapõem aquela pior e um governo é tanto mais injusto, quanto mais se distancia do bem comum, como aquele de um só tirano. É preciso, de qualquer modo, considerar também o enorme dano ao bem comum que derivaria da caótica participação de muitos, ineptos e moralmente corruptos, na gestão do poder.

Para Aristóteles e Santo Tomás, a democracia é a degeneração da politéia ou timocracia, enquanto essa se baseia sobre o povo reduzido a massa informe ao passo que a timocracia é fundada sobre a participação equitativa do povo no poder, formada por pessoas racionais, livres e honestas. Enquanto sistema, a soberania reside na lei e não na multidão e nas suas deliberações. Na democracia (hoje diremos demagogia), entendida como degeneração da politéia ou timocracia, a lei perde a própria força e a massa informe e amorfa se torna árbitro do Estado. Em tal sistema os demagogos, e não os melhores, tem as rédeas do governo, e as leis positivas como especificações da lei natural (entendida como participação na lei eterna ou divina), inscrita pelo Criador no ânimo humano, não são mais soberanas, mas dependem do capricho da multidão despótica. A politéia ou timocracia (hoje diremos democracia clássica) se funda sobre a participação do povo no poder de forma responsável e ordenada. Todo civil deve ter a possibilidade de participar, se capaz e digno, na vida política da nação. Qualquer que seja a forma do poder, é essencial que quem o exercite legitimamente tenha a consciência de não ser a origem da soberania, e, consequentemente, de não ter algum direito ao exercício do poder em sentido absoluto. Quem governa – seja esse o rei, o chefe de uma república, os membros de um governo – deve considerar-se vassalo de Deus, ou seja, subordinar-se ao Único Senhor origem da autoridade e da soberania, que – através do instrumento povo/canal – transmite a quem é legitimamente destinado a guiar o Estado a instituição deputada a governar a vida do consórcio humano associado. Uma subordinação que se concretiza na adesão integral, exatamente por parte do Estado, a ética natural e cristã. Como se vê, com o tomismo, estamos nas antípodas do bonaldismo ou Tradicionalismo político, desta Tradição primordial, que segundo de Bonald, acomuna todas as religiões positivas, as engloba e as supera (como também todos os governos). L. de Bonald, como J. de Maistre, ensina que o homem teria ideias inatas e não lhes abstrai do conhecimento sensível, como ensinam Aristóteles, Santo Tomás e toda a primeira, segunda e terceira escolástica. O homem teria recebido de Deus uma “linguagem primitiva” e uma “Tradição primordial” linguística e política desde a criação. Segundo eles a linguagem e as ideias que são expressas pela linguagem não são obra do homem mediante a abstração do conceito inteligível da coisa sensível e então mediante uma convenção com a qual os homens tem decidido a dar tal nome a um conceito (por exemplo ‘homem’ ao animal racional). A linguagem primordial transmitida de geração em geração, manteria a Tradição primordial segundo eles (compreendido o panteísta medieval Scott de Erígena, no qual se baseiam).

Como se vê, a Tradição cristã é diametralmente diversa daquela esotérica e fideísta. Todos os homens, a qualquer religião que pertençam, tem a mesma Tradição e verdade primordial transmitida por uma linguagem infundida primitivamente na mente humana pela Divindade. As diversas (por elementos acidentais postiços e adventivos) religiões, então, são inferiores a pura Tradição primordial, a meta-religião ghenoniana e devem ser consideradas iniciaticamente segundo a unidade transcendente de cada religião (F. Schuon † 1998).

Segundo de Maistre e de Bonald a religião mais próxima a Tradição primitiva é o cristianismo, enquanto para Guénon é o hinduísmo juntamente ao esoterismo islâmico e àquele oriental e para Evola é o neopaganismo panteísta. Mas, na realidade, é a cabala ou a falsa mística hebraica que acomuna todas essas várias falsas concepções esotéricas.

É curioso notar como um notável estudioso e ancião adepto do guenonismo Jacques-Albert Cuttat, define o guenonismo como um “neo Tradicionalismo”. Parece que que Guénon retomou e sublimou, a luz da filosofia oriental, as três teses fundamentais do Tradicionalismo oitocentista francês (especialmente aquele de J. de Maistre, de L. de Bonald e de F. Lamennais), isto é: 1º) o anti-racionalismo; 2º) a unanimidade da Tradição primordial, expressa pela linguagem, como único critério de verdade e sobretudo 3º) o primado espiritual do Oriente (Le néo-Traditionalisme: René. Guénon, Aananda K. Coomaraswamy, Frithjof Schuon, in Annuaire del l’E. P. H. E, Vème section: Sciences Religieuses, 1958-1959, p. 68).

A Maçonaria mística (a qual tem por alma a Cabala) é para todos eles a forja da transmissão esotérica da Tradição primordial. Como se vê todos eles, são conscientemente ou não, imbuídos do gnosticismo cabalístico, maçônico e então, ultimamente, de luciferismo.

Pelo que o Tradicionalismo fideísta francês do século XVIII não é apenas um erro filosófico que esvazia a razão humana, mas é também uma desviação teológica, linguística e política, que levou a recusa do Magistério de Leão XIII em 1892 e àquele de Pio XI em 1926 sobretudo na França, que é devedora a cabala espúria judaica e a Maçonaria das suas doutrinas mais específicas.

Os principais expoente do tradicionalismo francês do século XVIII são Joseph de Maistre († 1821), Louis de Bonald († 1840), Felicité de Lamennais ou mais exatamente La Mennais († 1854), Louis Bautain († 1867) e Augustin Bonnety († 1897). O único impenitente que não quis se retratar dos seus erros foi Lamennais, enquanto os outros (salvo de Maistre que não tinha explicitado o seu erro e não foi, então, condenado) se submeteram a condenação da Igreja (DB 1613 ss.; DB 1622 ss.; DB 1649 ss., Conc. Vat. I, sess. III, DB 1781 ss.). A partir deles, nasceram duas escolas politicamente divergentes: 1º) o monarquismo absoluto (Joseph de Maistre, Louis de Bonald, Louis Bautain e Augustin Bonnetty), de onde deriva a oposição ao assim chamado Ralliement de Leão XIII de 1892 e a revolta de Charles Maurras contra Pio XI em 1926; 2º) o democratismo cato/liberal (Felicité de Lamennais), de onde deriva o catolicismo-liberal condenado a partir de 1832 por Gregório XVI ininterruptamente até 1958 com Pio XII.

Conclusão

A Modernidade é contrária realmente e eficazmente da filosofia metafísica do ser (sobretudo tomista, que retoma o melhor do platonismo e do aristotelismo e lhes sublima).

De fato a noção tomista

1º) de ser qual ato supremo da substância aristotélica, e,
2º) de participação, que aperfeiçoa aquela platônica, resolve todos os problemas que o platonismo, o aristotelismo e a patristica, não ainda sistematizada e completada pela escolástica, não poderiam afrontar de maneira totalmente adequada.

Se pense, por exemplo, nas questões levantadas pela filosofia moderna (de Déscartes até Hegel) como o imanentismo panteísta, que é refutado pelo Ser e pela essência ou ‘a se’ (que subsiste independentemente do outro) realmente distinto do ente por participação ou ‘ab alio’, composto de essência e de ser, que não é o seu ser mas tem ou recebe e participa o ser.

Toda a modernidade, mesmo aquela não explicitamente hostil ao cristianismo (de Malebranche a Rosmini), assim como aquela abertamente incompatível com a Revelação (Déscartes, Kant, Fichte, Schelling, Hegel), encontra uma resposta (a primeira) e uma radical refutação (a segunda) na teoria tomista do actus essendi ultimus et perfectus, da composição ens/esse e da participação.
Naquilo que diz respeito a pós-modernidade (de Nietzsche a Freud e as suas ramificações: Escola de Frankfurt e Estruturalismo francês), que é caracterizada por um substancial niilismo metafisico (gnoseológico e ético) ou destruição do ser (conhecível e bom moralmente), encontra na metafísica do ser a barragem que se interpõe entre aquilo que é e o nada para o qual tenderia a pós-modernidade, por ódio satânico contra o próprio Ser subsistente, busca destruir o ser por participação, enquanto existente (“ente-cídio”), enquanto conhecível (“racio-cídio”) e enquanto bom (“mora-cídio”), próprio como Satanás tenta o homem ou ente por participação (criado a “imagem e semelhança de Deus”, inteligente e livre) para ferir indiretamente Deus ou o Ato puro, o Ser por essência. Onde o Imanentismo panteísta (orgulho auto-exaltador), o Niilismo teorético (ódio auto-lesionista) e o neomodernismo são refutado in nuce pelo tomismo originário e não pelo guenonismo que, antes, lhe faz próprio em um certo qual modo.

Leão XIII com a Encíclica Aeterni Patris de 1879 lançou o renascimento do neotomismo em contraposição a filosofia moderna e subjetivista, que sob o pontificado de Pio IX e o seu tinha dado a luz ao tradicionalismo (de Maistre in incognito, de Bonald, de Lamennais, Bautain, Bonnetty, apertis verbis) ou fideísmo francês, o ontologismo italiano (Gioberti e Rosmini) e o neo-idealismo germânico (Hermes e Günther). Papa Pecci convidava a desconfiar de toda síntese direta entre doutrina cristã e filosofia moderna e a apresentar o tomismo como a antítese total do subjetivismo imanentista da modernidade, o qual de sua parte com Feurbach (Essência do cristianismo, 1841) tinha entendido muito bem que a velha doutrina teológica a destruir para substituir com o “novo Cristianismo” era o tomismo.

Ao invés disso é propriamente a Modernidade filosófica que está na fonte teorética do Tradicionalismo fideísta (mesmo se politicamente esse é monarquista e anti-revolucionário) especialmente com o Nominalismo, o Luteranismo, o Kantismo e o Romanticismo intuicionista de Friedrich Jacobi (As coisas divinas e a sua revelação, 1811), que – romanticamente e irracionalmente – põe no homem uma capacidade de intuir puramente Deus sem ter a necessidade da Revelação, com o Pragmatismo de William James e enfim com o Modernismo, põe a experiência ou o sentimento religioso na base do conhecimento do Divino e ao lugar da Tradição primordial.

O conceito de experiência religiosa pertence sobretudo ao subjetivismo protestante e modernista. Padre Cornélio Fabro define a experiência religiosa como «dissociação da consciência do conteúdo objetivo da Fé » (voce Esperienza religiosa, in Enciclopedia Cattolica, Città del Vaticano, 1950, vol. V, col. 603).

Em filosofia a Modernidade laicista elevou a experência religiosa subjetiva a critério absoluto e independente de qualquer dado objetivo. Essa tem como chefe de escola Kant, para o qual o próprio Deus não é um Ente real e objetivo, independente do sujeito humano, mas um postulado da “Razão pratica”, que sente a necessidade de uma experiência religiosa da divindade a qual a “Razão pura” ou teorética não pode chegar. A partir de Kant nasce um duplo endereço de pensamento:

1º) um mais filosófico e racionalista: o idealismo-transcendental de Fichte, Schelling e Hegel, que – seguindo Kant – busca subordinar a religião a filosofia subjetivista;
2º) o outro mais espiritual e misticóide: o irracionalismo fideísta e ontologista de Jacobi e Schleiermacher os quais seguem Kant especialmente privilegiando o sentimentalismo religioso subjetivista, antes para Schleiermacher e Jacobi o «o sentimento é o único critério da verdade» (cit., col. 603) onde «a Fé é puro sentimento imediato» (ivi).

Tal concepção subjetivista e sentimentalista com o Modernismo começa a tomar um endereço sempre mais irracionalista e a experiência religiosa substituí totalmente seja a reta razão que a Revelação e a Fé teologal. Auguste Sabatier com a sua obra Esquisse d’une philosophie de la religion (Paris, 1879) e o protestantismo francês foram a ponta de diamante da experiência religiosa subjetivista/irracionalista, que insistia no primado da vida e da experiência sobre a razão especulativa e a Fé objetiva. O influxo de Sabatier foi de tal modo forte que a teologia evangélica/protestante foi nos últimos cinquenta anos essencialmente uma fenomenologia da experiência.

No campo católico Maurice Blondel introduziu o subjetivismo e a experiência com a nova definição de verdade como “adequatio rei et vitae” e não mais “rei et intellectus”. O vitalismo de Henry Bergson buscava resolver a religião em uma experiência psicológica íntima. O pragmatismo, com Wiliam James e o americanismo ou modernismo ascético, reduz a religião a sentimento subjetivo eruptivo da ‘sub-consciência’, afundando sempre mais o imanentismo sentimentalista ou racionalista e abrindo as portas a psico-análise cabalista/freudiana, feita fênomeno de massa da Escola de Frankfurt.

Guénon a maneira do Tradicionalismo e do Fideísmo francês do XIX século não só esvazia a razão, mas ainda mais ele desacredita também a Fé sobrenatural para substituir Fé e razão com a iniciação ocultista auto-salvífica e auto-divinizante.

Como o Fideísmo tradicionalista exalta e exagera a função da Fé ou da “Tradição primordial” no conhecimento da verdade (e da filosofia política) não só de ordem ética e transcendente, mas também natural colocando no lugar da razão o conhecimento da verdade natural através da Tradição primordial e a Fé, assim Guénon coloca no lugar da razão e da Fé teologal a gnose ou intuição da verdade mediante a Tradição primordial ou meta-religião e contrária a política moderna, mas para se referir a uma concepção absolutista e teocrática (que não distingue, também na subordinação hierárquica, autoridade temporal e poder espiritual) do poder político.

Então, existem duas metafísicas ou melhor uma metafísica e uma contra-metafísica (especuladamente a Igreja e a contra-Igreja): a verdadeira metafísica do ser e a falsa metafísica ou contra-metafísica da experiência religiosa subjetiva e do não-ser.

O subjetivismo esotérico, a metafísica do nada pós-moderno, se tornaram a filosofia da época contemporânea. A modernidade, depois da exaltação iluminista que tinha conduzido o homem aos limiares do céu, passou, no século XX, a desesperação irracionalista, que não só pretendeu ter matado Deus, apagando a chama de toda esperança, mas também fez precipitar o homem para o abismo do nada. Assim da metafísica do ser se passou ao primado do Eu e da Idéia e depois se deslizou para a metafísica do nada. Hoje o princípio não é mais o ser, mas o sentimentalismo irracional e animalesco, o nada e o Niilismo constituem o caráter dominante da nossa época.

Guénon se insere, com a sua gnose esotérica, oculta e ínfera propriamente neste filão e o torna pior mediante a iniciação que não é desprovida de vínculos com o mundo preternatural e demoníaco. Assim, não é possível curar e combater a Modernidade com o guenonismo, o qual não faz senão agravar o mal do mundo moderno e pós-moderno.

Então, é preciso escolher ou a Tradição divina e apostólica ou a contra-tradição ínfera e esotérica guenoniana: tertium non datur, “Per la contraddizion che nol consente”.

Don Curzio Nitoglia

19/5/2015
http://doncurzionitoglia.net/2015/06/02/lequivoco-guenoniano/
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