P. BONFIGLIO MURA: DA LIBERDADE DE PENSAMENTO, DE PALAVRA E DE IMPRENSANA SOCIEDADE MODERNA


Padre Bonfiglio Mura, O.S.M.
Roma, 1863
Tradução: Gederson Falcometa



Gênese e nexo desta liberdade

A liberdade que é a absoluta independência da razão humana em fato de religião proclamada por Lutero, gerando logicamente a liberdade e a independência da própria razão proclamada por Rousseau em fato de política, devia também gerar por rigorosa consequência a liberdade, e a independência do pensamento e por isso de palavra que lhe é a expressão. Ninguém em efeito pode estimar-se plenamente livre e independente em fato de religião como de política onde lhe venha subjugado o pensamento, ou a palavra que o exprime, obrigando a um e a outro a depender de uma autoridade qualquer diversa daquela da própria razão e do arbítrio. A sociedade moderna então, querendo e proclamando com Lutero e com Rousseau a independência religiosa e política do homem, devia também querer e proclamar a independência de pensamento e de palavra, e por consequência lógica àquela de imprensa que também essa é a expressão do pensamento, e antes mais durável porque palavra escrita, e mais perniciosa ou salutar nos seus efeitos, porque a palavra articulada pode sentir-se por poucos, e a escrita pode ser lida por muitos, ou mesmo todos. A sociedade moderna longe de renegar estas inferências, as aceita com êxtase, as estima como uma conquista preciosa de quem se arroga todo o mérito, e faria qualquer sacrifício para conservar nesse elemento vital, e a arma mais poderosa da sua vida e da sedução. Renegando tais inferências renegaria Lutero, a independência religiosa e política da razão individual; e esta negação destruiria desde as bases o edifício da sociedade moderna, e seria para a mesma um verdadeiro suicídio. Uma lógica que por isso decide pela sua vida ou pela sua morte a condenação a admitir a liberdade de pensamento, de palavra e de imprensa; e é verdadeiramente um pecado que esta lógica renegue a si mesma onde se fala de liberdade de pensamento, de palavra e de imprensa católica, contra a qual não encontra sofismas, vilanias e rigores que bastem, enquanto faz boa vista a todos os erros mesmo os mais absurdos. Disto não maravilhará a ninguém que recorde a sociedade moderna ser filha da Reforma, e ter desta aprendido a gritar liberdade para todos e em todo gênero, menos para a Igreja e para a consciência católica. Então, a liberdade de pensamento, de palavra e de imprensa é um lógico derivado do princípio luterano aplicado a religião e a política, e as três vozes com as quais ordinariamente vem expressa esta liberdade se podem reduzir a uma só, ou a duas, vale dizer a liberdade de pensamento e da sua manifestação falada ou escrita. O porque as mesmas significam uma só e idêntica liberdade de pensamento, atuada e desenvolvida objetivamente em dois modos diversos, a saber com a palavra ou com o escrito, modos que dão a este desenvolvimento uma diferença de grau e de extensão porque, como observamos agora, a palavra escrita é mais durável e capaz de maior extensão que a falada, ou articulada que se queira chamar. Nós então empregamos estas palavras promiscuamente para significar uma só e mesma coisa, a saber o desenvolvimento prático da liberdade de pensamento.
 
Sua natureza e freio vão

A natureza desta liberdade retira o seu ser e a essência da plena e absoluta independência concedida ao individuo e a sua razão, na dupla aplicação religiosa, e social ou política feita-lhe por Lutero, e por Rousseau. O porque, serem em ambos os casos absoluta e sem limites a liberdade e a independência da razão e do individuo, absoluta deve também ser a liberdade de pensamento e da sua manifestação; e por isso a impor-lhe um freio e um limite qualquer é uma rigorosa contradição, e um dizer não livre e não independente aquilo que na hipótese é livre e independente por natureza. Os discípulos de Lutero podem dizer que este limite se encontra na autoridade das S. Escrituras, e aqueles de Rousseau que também eles admitem um obstáculo a estas liberdades na lei repressiva da imprensa, e no juízo do assim chamado juri: mas nós questionaremos se este freio é lógico, e se pode limitar-se àquilo que a natureza, na sua sentença, concedeu ao homem sem condições e sem limites. Porém, calando sobre esta inconsequência, e do ser e não ser dado e negado as concessões de natureza, o freio em questão nos parece um jogo de vãs palavras e nada mais. Em efeito, a autoridade das S. Escrituras entre os protestantes, não é se não a autoridade de uma letra morta porque é totalmente sujeita ao juízo e a interpretação da razão humana que deu origem as inumeráveis seitas que dividem a Reforma, e que torna esta eminentemente contraditória quando por órgão dos seus ministros, dos catecismos, dos sermões e das reuniões pretende ensinar aos seus sequazes aquilo que devem crer e operar, depois de terem declarado a razão individual dos mesmos juízes supremos em matéria de fé e de moral. O porque, a Escritura que se quer dar por freio a razão protestante, ou é um freio nominal, como é verdadeiramente, em virtude da sua independência da razão individual, ou se é um freio real, a razão não é mais independente. Menos da Escritura se pode dizer-se limite da liberdade a lei repressiva da imprensa, e o consequente juízo do júri. Esta lei realmente não combate em si a liberdade de pensamento, mas a sua manifestação; não veta esta, mas a pune em um caso concreto e particular; não toma de mira a razão e a natureza da coisa, mas um fato; não combate diretamente o erro e o mal, mas pretende prende-lo quando já é mandado a efeito. A lei então, não tira a causa do mal e do erro, mas julga o fato, e o julga quando já produziu o seu efeito, quando o veneno já propinou a tantas mentes e a tantas corações, quando é impossível cancela-lo em si e nos seus efeitos, e por isso quando o juízo e a pena não são, nem podem mais ser proporcionados ao mal social que consiste não no fato parcial tomado de aspiração da lei se não remotamente. As repressões então de que falamos não são proporcionais ao mal que se deveria frear e punir, e deixando isto em todo o seu vigor, se resolve na punição de um fato particular, ou, para falar mais claro, na pena infligida a um cretino que com uma discreta dose de audácia, de paciência e de dinheiro, se ri da pena e daqueles que a decretam. Neste caso, porém, é dito, sim existe pelo menos uma sombra de repressão de uma parte do mal; mas se a lei e os seus intérpretes, que nos modernos júris não são sempre os mais sapientes, favorecem o mal e o erro, ou animados pelo espírito de parte e de privado interesse são indulgentes e tolerantes com os mesmos, que será então da repressão? Esta repressão em tal caso será uma arma potente de política e de partido nas mãos do governo, e ao invés de combater o mal e o erro, combaterá a verdade e o bem, será uma guerra obstinada e desleal a quanto e a quantos não se venderam de corpo e alma ao partido dominante, e fará também pesar a espada de Dâmocles sobre qualquer um que tenha a coragem de proclamar o verdadeiro, enquanto deixará blasfemar impunemente as penas amigas, se também não recompensar estes com canetas de ouro, com empregos lucrativos e com decorações cavalheirescas prostituídas a blasfêmia, a traição, a impiedade. Neste caso a repressão legal pode definir-se a licença do mal, o triunfo do erro e a escravidão do verdadeiro e do bem. Quem conhece a história do moderno jornalismo católico e do heterodoxo, e sabe que é perseguido o primeiro, e levado as estrelas o segundo pela sociedade moderna, encontrará facilmente no nosso raciocinar uma verdade demonstrada pela experiência, pela história e pelos fatos que a cada dia acontecem em muitos países. Que se esta repressão se está contente em tutelar a política e o interesse do governo, e deixa em baila da liberdade de pensamento e política o interesse do governo, e da religião, então a mesma será uma zombaria e um escárnio, antes que uma lei tutelar do público verdadeiro, e do bem, e assemelhará, como assemelha em efeito, a uma lei que permita de vender publicamente o veneno, e depois queira punir aqueles que o vêem, esperando de curar, com esta punição de poucos, os muitos desventurados e infelizes que são subornados. Nem mais e nem menos, tal é a lei repressiva da liberdade de pensamento e de imprensa. Essa autoriza o comércio do veneno, permite a universal propinação do mesmo: mas pune quem o vende, e só em certos casos, deixando um pleno arbítrio dos singulares de compra-lo, bebe-lo e o morrer. Quem não vê então a contradição e a nulidade desta lei que deixa matar ou corromper livremente um povo, e que sonha colocar um obstáculo a tanto mal mandando ao ócio por alguns meses em uma fortaleza e em uma sala muito cômoda não, para além disso, o verdadeiro autor da pública miséria, mas o bode expiatório inventado pela sociedade moderna para lhe fazer as vezes? Nem o assim chamado júri, ou juiz do fato remediando a nulidade e a natureza desta lei: pois que, coloca também a parte a natureza heterogênea dos mesmos e a impotência de julgar com conhecimento de causa de todos, ou de muitos desses, vossa senhoria é coisa clara que o seu juízo é limitado ao puro fato, não ao inteiro mal social; e que por essa razão, ainda que o bom senso prevaleça algumas vezes nos mesmos o espírito de parte, as paixões dos governantes, e a sede de cargos e do ouro, todavia, não poderá jamais tirar a natureza do mal, nem estender-se a grandeza indefinida do mesmo que é mal social, apesar de derivado da própria pessoa. O freio então, imaginado pela sociedade moderna contra o abuso da liberdade de pensamento, de palavra e de imprensa não respondendo a natureza, a extensão, e aos efeitos do mal que quer frear, é um freio completamente nulo e nominal.
Continua…
Fonte: Estudos filosóficos-polêmicos sobre a sociedade moderna, Capítulo IX, Da liberdade na sociedade moderna, Artigo II: Da Liberdade de pensamento, de palavra, e de imprensa na sociedade moderna, Roma 1863. pag. 223-260.

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