AUGUSTO DEL NOCE: CONTESTAÇÃO E VALORES






Augusto del Noce
[Tradução: Gederson Falcometa]
A presente crise de confiança em valores permanentes reclama a memória aquela que se verifica nos primeiros anos do século XVII. Naquele tempo se tratava também do período sucessivo as guerras religiosas e as descobertas de civilizações diversas das mediterrâneas; e ainda naquele tempo foi colocada em discussão, junto com o absolutismo dos valores, a tradição comum do pensamento grego e do pensamento cristão.
Naquele tempo, porém, a afirmação da relatividade histórica dos valores aparecia como um desafio ao senso comum. No entanto, hoje a ideia de que aqueles valores que eram cridos tradicionalmente como permanentes são sempre condicionados por situações determinadas e fazem a sua aparição como corolários de situações sociais definidas, permearam completamente a sensibilidade comum. Além disso, o pensamento daqueles que naquele tempo se diziam os deniaisés, aqueles que tinham perdido a ingenuidade com a dependência da amplificação da experiência, se referiam ao pensamento antigo nas linhas que apareciam incompatíveis com o cristianismo. Todavia, hoje, o sentimento comum é de viver em uma época nova, separada do passado pela crítica das duas guerras mundiais. A ideia que tudo se repete é substituída pela aceleração máxima do tempo; a adequação a um hoje que não é mais tanto o cumprimento do ontem quanto a sua negação.
Mais, no século XVII a crítica da autoridade conduz a investigar na consciência a autoridade dos valores. Hoje, é a própria consciência que é colocada em dúvida; se é instaurada aquela que Ricouer chama a escola da suspeita, a decisão de considerar a consciência no seu conjunto como falsa; mestres Marx, Nietzsche e Freud. Os termos de desmitificação, de des-mitização e similares pertencem agora a cultura elementar. Mas como è advinda esta mudança de sensibilidade?
Uma resposta extremamente simples é aquela segundo a qual o sentimento de viver em uma época nova, tal que se possa afirmar que o homem é uma “realidade antiga”, seria referir, como a seu reflexo, ao progresso técnico ou ao desenvolvimento das ciências do homem. Ora, eu não creio que seja assim: penso ao invés que a base da mudança seja um juízo histórico sobre o período das duas guerras mundiais e sobretudo sobre o vintênio entre as duas guerras. Hoje se generalizou este pensamento: aqueles que em qualquer sentido, direto ou dissimulado, falavam ou falam de valores permanentes ou de verdades absolutas, de fato cobriam ou cobrem, após estas afirmações, ainda mais que a defesa de interesses particulares, o medo da transcendência histórica, daquele intra-mundano proceder após fazer parecer provisória toda posição que o homem tenha alcançado. Sem esta falsa consciência, que per se é um fenômeno trans-politico, nem mesmo se poderia afirmar os fascismos como fenômeno político. Não que este conservadorismo ideal já tenha significado, ao menos em geral, um consenso direto: mas a oposição àquilo que, entre os anos 30 e 40, era chamado vitalismo ou irracionalismo fascista, devia confinar-se nestes apoiadores da tradição em uma dimensão puramente moral. A partir disto se passou facilmente para a idéia de que estes valores permanentes cessaram de ser um guia eficaz para a ação; e uma vez que esta postura de união ao passado vem genericamente denominado romantismo se transformou na corrente a opor-se ao historicismo tradicionalista, de tipo romântico, um historicismo iluminista, ou precisamente ver na liberação do romantismo o problema ideal do pós-guerra.
Quando esta escola da suspeita teve seu começo? Que tal começo tenha coincidido com a redescoberta do marxismo filosófico, já ocorrida na Alemanha por volta dos anos 20, retomada, sem relação direta, na França entre os anos 30 e 40, explodido depois do ano 45, é aquilo que seria muito fácil documentar (basta pensar em escritores marxistas franceses dos anos em torno aos anos 30, a um Politzer, a um Gutermann, a um Lefebvre ou a um Nizan). A diferença daquilo que tinha acontecido nos últimos anos do século XVIII, o marxismo foi redescoberto propriamente a partir desta tese da denúncia da “falsa consciência”. Em relação a este modo de redescoberta, não é de se maravilhar pela recente elevação de Freud, de inventor de um método terapêutico a grande filósofo. Consideremos realmente a diferença entre a validação do significado filosófico da obra freudiana tal como foi lhe dada em 1936 na mais importante obra de caráter filosófico que até então lhe foi dedicada, aquela de Roland Dalbiez: a obra de Freud é a exploração daquilo que no homem é o não humano. Que hoje os escritos sobre Freud se movem no significado oposto, de procurar um método de compreensão do homem, não se pode explicar sem aquela lembrança da teoria da falsa consciência da qual as origens da redescoberta se acenou.
A visão que agora gostaria de propor é exatamente a oposta: aquela que dos anos 45 até hoje adveio o auto definhamento das idéias contrapostas àquelas de valores permanentes: aquela de revolução, aquela de progresso, idéias que hoje se são de fato dissociadas, e enfim das próprias idéias da modernidade como valor, de modo que hoje se representam as condições para uma redescoberta em seu sentido verdadeiro da ideia da permanência e da absolutização dos valores. Em qualquer medida, propriamente nestes últimos anos, e quero dizer antes, a contestação deste ano 1968 – que foi o mais rico de filosofia implícita de 1945 até hoje, – forneceu a ocasião histórica para a ruína dos ídolos. O suspeito se arruinou propriamente sobre a idéia normalmente admitida segundo a qual o dever do pensamento presente seria a liberação daqueles tabus repressivos, que interditam a livre explicação da atividade humana.
Rapidamente acenemos para a ideia de revolução, entendida no sentido forte, pelo qual é vista como a solução do mistério da história através daquele evento único que mediaria a passagem do reino da necessidade – isto é, da dependência do homem das coisas e particularmente das coisas que ele produziu, da reificação, da alienação – àquele de liberdade. A liberação é vista como uma auto-redenção do homem; nesta obra a religião se substituiria à política, mas como política que tem englobada em si a religião. Onde no marxismo, a moral, a religião, a metafísica, cada outro aspecto da ideologia e as suas correspondentes formas de consciência não mantém mais a sua aparente independência. A história da ideia revolucionária neste preciso sentido foi mais vezes traçada, o seu percurso de Rousseau a Marx, as suas conexões com o milenarismo, o caráter pré-cristão do milenarismo, ligado a um messianismo hebraico que não mantém mais o significado depois da vinda do messias, o seu contínuo encontrar-se com o pensamento herético, o processo de secularização em que se encontra exposto. Ora, o ponto sobre o qual merece ser colocada a atenção é o seguinte: o pensamento revolucionário marxista, que pretendia ser o cumprimento da incompleta revolução francesa, enquanto nessa tinha ocorrido o triunfo da classe burguesa, e foi de fato a ocasião para o cumprimento do espírito burguês na sociedade chamada tecnológica, termo que aqui não uso para designar uma sociedade caracterizada pelo incremento da atividade científica e técnica, mas ao contrário pela concepção da razão instrumental, ou seja, pela interpretação de toda atividade humana em termos de técnica. Importa aqui ver brevemente a oposição entre o pensamento revolucionário, ao menos na forma em que se primeiramente definiu; e isto ao mesmo tempo que se deve reconhecer a validade moral das críticas que o pensamento revolucionário move a certos aspectos necessários da sociedade tecnológica. A oposição é bem colocada a claro naquilo que resta a principal obra de Marcuse, Razão e revolução, através dos termos de pensamento negativo ou dialético e pensamento positivo; oposição, em substância, entre Marx e Comte. A sua diagnose pode ser em muita parte seguida, mas interpretada como sinal não de retomada do pensamento revolucionário, mas desta impossibilidade.
Como definir na realidade a sociedade tecnológica, quando ela se entende não como aquela em que através do pleno desfrutamento das forças da natureza foi completamente eliminada a distinção entre livres e escravos, realizando um mundo em que o trabalho das máquinas permitiria ao homem apenas o exercício daquelas atividades que são especificamente humanas, mas ao invés disso, como aquela que é caracterizada, por assim dizer, pelo totalitarismo da atividade técnica, pelo que a inteira atividade do homem vem interpretada como ordenada a transformação e a posse? Lhe proporei a seguinte definição: é uma sociedade que aceita todas as negações do marxismo a respeito do pensamento contemplativo, da religião e da metafísica; que aceita então a redução marxista das idéias a instrumentos de produção; mas que por outro lado recusa do marxismo os aspectos revolucionários-messiânicos, e então aquilo que de religioso permanece na ideia revolucionária. Sob este olhar representa verdadeiramente o espírito burguês em seu estado puro; o espírito burguês que triunfou sobre os seus dois tradicionais adversários, a religião transcendente e o pensamento revolucionário. Se poderia talvez chegar a dizer, e documentá-lo com textos do Manifesto: por uma singular heterogênese dos fins o marxismo conduziu o espírito burguês a manifestar-se em seu estado puro, mas, uma vez que chegou a isto, se encontra impotente para combatê-lo. A sociedade tecnológica assinala a abdicação do marxismo a respeito dos inventores da organização racional da sociedade industrial, Saint-Simon e Comte, considerando também aqui em Saint-Simon e Comte o aspecto pelo qual esses são representantes doesprit polytechnique, separado daquele da bizarra religião a que queriam ligá-lo.
Uma tal definição me parece facilmente aceitável, porque corresponde a juízos que podem ser vistos como problemáticos, mas que, todavia, são consolidados nas publicações correntes. Não se vê repetir continuamente que, como materialismo histórico, o marxismo deve reconhecer que as posições de pensamento variam com várias formas de produção e que, hoje, a consequente transformação ao advento da idade tecnológica constringe a considerar o marxismo revolucionário como uma posição do passado, que podia ser verdadeira “naquele tempo”, mas que “hoje”, não o é mais, porque a realidade mudou? Ou o outro equivalente juízo: mesmo o marxismo revolucionário pode ainda subsistir nas zonas de subdesenvolvimento; mas quando vem o desenvolvimento, esse deve, para manter o seu caráter científico, renovar-se, senão ele se dissolve em um romantismo anárquico? Em juízos deste tipo se poderia continuar ao infinito: aquilo que importa é observar que a sociedade do bem-estar, com o demonstrar-se apta a abolir a miséria, ou ao menos de caminhar sobre a via de pode-lo fazer, tirou do marxismo a mola revolucionária da dialética das classes. Que aquela que é chamada sociedade tecnológica ou sociedade do bem-estar ou ainda sociedade opulenta, se tenha formado como sociedade posterior ao marxismo, mas conjuntamente como sociedade totalmente secularizada, é isto que se impõe com grande evidência.
No dia seguinte da guerra a sociedade burguesa se encontrava no dever de repelir dois adversários: um era o comunismo, mas não menos temível era o perigo de um despertar religioso. Se deve dizer que com a invenção da sociedade tecnológica se mostrou adequada a solução do problema, repelindo juntamente o comunismo em nome da democracia e o pensamento religioso em nome da modernidade, e construindo uma unidade iluminista do pensamento leigo entre liberalismo e socialismo e uma outra paralela na forma de modernismo religioso. Conseguiu-se, desse modo, construir uma sociedade que se rege sobre o equilíbrio das contradições.
Indubitavelmente, o sentimento de ser nova corresponde para esta sociedade a alguma coisa de efetivamente real. Não apenas se diz nova, o é. Todavia, novidade pode significar cumprimento e pode significar erradicamento; se poderia dizer que reflete a ambiguidade do termo tanto usado por Hegel: aufheben, superar, que pode significar dessa maneira, tanto conservar como abolir. Onde o estado de ânimo composto pela juventude de hoje, em que não se prevalece o orgulho do novo ou o medo do erradicamento; e no qual o ativismo destrutivo parece exprimir a angústia de quem se sente erradicado.
É de se anotar como esta sociedade sobrevive apenas por um tácito recurso as reservar daqueles valores permanentes, sobre a qual negação também está edificada. Consideremos, por exemplo, as idéias correntes sobre a função purificadora que teria a ciência a respeito dos problemas políticos, dos morais e dos religiosos. Limitemo-nos aqui aos problemas morais. Se é dito por exemplo: as ciências do homem permitem compreender aqueles que estamos acostumados a considerar delinquentes porque transgrediram uma norma; uma vez que por uma grandíssima parte o seu desvio é dependente de certas condições psicológico-morais, as ciências do homem nos permitem de nos sentirmos co-responsáveis pelas culpas que cometeram e ao mesmo tempo nos colocam nas melhores condições para assisti-las. Tem fim a contraposição entre o juiz que representa apenas a justiça e o réu que apenas personifica a culpa. Ora, este raciocínio é certo e correto, mas pressupõe a existência daqueles valores permanentes que se querem negar e a utilização da ciência ao seu serviço. Quando falamos do significado moral que a ciência pode assumir, sempre pressupomos no homem a presença de um princípio ideal que constituí um fim em si mesmo. Se nós, ao invés disso, pensássemos estarem abolidos qualquer vestígio de valores permanentes, se pensássemos no homem reduzido a pura dimensão científica e técnica, não vejo porque não deveria valer aquilo que Adorno declarava a muitos anos atrás a propósito de Juliette di Sade: que ela incarna exatamente o tipo que tem por credo apenas a ciência; antes, que essa opera com a semântica e a sintaxe lógica, como o positivismo mais moderno. Existe então na sociedade do bem-estar uma clara contradição entre o humanitarismo teoricamente professado e o espírito de desumanização praticamente atuado, na medida em que diminuem – e devem necessariamente diminuir – as reservas de valores tradicionais. Uma outra contradição, depois, é dada ao encontrarmos agudos contrastes entre uma tolerância aparente e um totalitarismo real, enquanto uma sociedade assim configurada não pode mais admitir a autonomia de superestruturas culturais, religiosas e politicas. A cultura ai é por definição mercê de consumo ou, quando é cientificamente pesquisada e apreçada, é por sua vez instrumento para o ulterior incremento de eficiência e de produção.
Então, parece que sem um apelo a valores permanentes, não pode ser salvo o aspecto positivo da sociedade tecnológica. É curioso como isto se encontra parcialmente confirmado pelos mesmos movimentos contestadores.
Consideramos. É habitualmente chamada contestação a crítica da sociedade tecnológica em nome do pensamento revolucionário. Se trataria agora de demonstrar:
  • Como a forma traçada por Marcuse exprime efetivamente a única possibilidade de reafirmação do pensamento revolucionário depois da sociedade tecnológica;
  • Como por outra parte uma tal reafirmação concluí a decomposição do próprio pensamento revolucionário;
  • Como nesta decomposição re-emerge expressamente o problema dos valores permanentes.
Foi justamente observado por um critico católico que no pensamento de Marcuse aquilo que existe de bom não é novo, e aquilo que existe de novo não é bom. De acordo: mas resta o fato que quando Marcuse move a sua crítica a sociedade unidimensional se encontra curiosamente forçado a raciocinar em termos de metafísica clássica. De um ponto de vista marxista podem realmente não aparecer espantosas as críticas conclusivas que ele move a sociedade opulenta, de ser constrita a minar a esfera privada do indivíduo, até mesmo dentro dos quatro muros da sua casa. Mas aquilo que mais importa é o fato que ele conduz a crítica do novo positivismo como um discípulo de alto nível da metafísica clássica: aquilo que diz, por exemplo, sobre o sentido que se deve dar a realidade dos universais, sobre a conexão entre universal e valor, sobre revalidação do conceito abstrato, tem o sabor da redescoberta do significado verdadeiro das teses que estão no fundamento da ideia dos valores permanentes; e propõe o problema como aquilo que deve acontecer, mas tendo obviamente excluído que ele tenha recorrido explicitamente a metafísica clássica: uma vez que, antes, quando ele tem consciência destas coincidências, tem pressa em advertir o leitor que as suas afirmações não implicam em modo algum a reminiscência de “valores espirituais” ou de coisas similares; e de definir antes o seu ideal de uma realidade humana essencialmente nova “em uma existência plena de tempo livre sobre a base das necessidades vitais satisfeitas” (1).
Na realidade, é fácil entrever qual seja a contradição última, atestada pelas contradições parciais do seu pensamento. Existe para ele um ponto que permanece indiscutível já no começo, em Razão e revolução: aquele que o hegel-marxismo deve ser interpretado como crítica de tudo aquilo que até então era considerado como verdade objetiva e juntamente como a filosofia que assumiu as verdades de todas as precedentes filosofias, e nessa, toda a experiência que a humanidade acumulou no curso do seu longo caminho para a verdade [2]; e que, de outra parte, se Hegel não havia concluído Marx era apenas porque a razão dos tempos o tinha constrito a resignação. Pela conexão, então, entre razão e revolução, o seu pensamento não pode ser parado na pura crítica da realidade presente como ab-normas, além de tudo porque em tal caso ele se encontraria constrito a um processo de descobrimento de uma realidade normativa transcendente, ou seja, aquela ideia do Logos, que ao invés ele apresenta como o princípio do pensamento repressivo. Mas, uma vez que não pode nem mesmo retomar o marxismo originário porque a situação na sociedade tecnológica levou a uma forma de dependência recíproca “que não é mais a relação dialética entre o Patrão e o Servo, rompida na luta para ser reconhecido pelo outro, mas é mais um vínculo vicioso que fecha seja o patrão que o servo” [3]; dado além disso que a civilização no seu processo produtivo tem esta função repressiva e alienante, lhe vem que a revolução não pode gerar-se do interior da sociedade industrial. Daqui a sua posição forçosamente a-histórica; já que não é do processo histórico que se pode esperar a revolução que leve a liberdade, enquanto este processo é história da razão repressiva, a passagem a liberdade se obterá apenas através da eliminação da repressão dos instintos. É sobre este ponto que se opera a curiosa contaminação dos motivos marxistas e dos motivos freudianos – de um freudismo particular dado que o Freud real tinha substituído a necessidade da repressão para a civilização. Mas então a liberação não poderia operar-se senão sobre a base do desencadeamento de forças primitivas e em qualquer maneira, pela sua estranheza a civilização, barbárie; a uma liberação que vem do exterior. Só estas forças primigênias teriam a capacidade de abolir os modos de repressão produtivos. Mas se sobre esta repressão produtiva se está fundada a civilização, a sua abolição não levaria a outra coisa que a um retorno da primitividade do subdesenvolvimento.
O juízo daquilo a que se chega por esta via, outro não pode ser que uma das formas de catástrofe irracionalista da ideia revolucionária, que não é certamente peregrino: aquilo que importaria mostrar é que a catástrofe irracionalista esteja inscrita em qualquer modo como seu destino na ideia de revolução. Onde a contestação assim chamada “global” se torna a absurda revolta contra aquilo que é; se torna uma forma de ativismo a-histórico, que não pode distinguir no existente o positivo e o negativo; e que se encontra a dúvida: ou buscar uma forma de evasão ao real, praticamente confundindo-se com as forças beat e hippy; ou se aliar com formas já existentes no sistema que combate, até mesmo se apresentando em posição de vanguarda e de estímulo, e em realidade em função de instrumento.
Então, o esgotamento desse modo de pensamento revolucionário marxista como ideologia do progresso de Turgot e de Condorcet a Saint-Simon e a Comte, ao positivismo em seguida cientificismo novo, e junto o redescobrimento obrigado na crítica da sociedade presente de temas essenciais ao sistema de valores permanentes deveria levar a uma visão da história contemporânea, respeito a qual as categorias habituais dos tradicionalistas e dos progressistas resultam de todo inadequadas. Insisto um momento sobre esta evidência: porque a primeira consequência da recusa de valores permanentes foi aquela da substituição do diadema “verdadeiro-falso” por aquele “progresso-reação”. O discurso poderia tomar várias vias: se poderia demonstrar que os historiadores da idade contemporânea tendem hoje a reconhecer que a aplicação das categorias costumeiras e usadas de “reação”, “tradição” e “conservação” constituí um obstáculo que torna frequentemente impossível a compreensão.
Mas sobretudo, me é grato me referir aqui às idéias de Eric Voegelin, é de se notar como a crise das idéias de revolução e de progresso envolve aquela de ídolo maior que se opõe a reafirmação dos valores permanentes, aquela da ideia de modernidade assumida como valor. Porque, notamos: está em dependência desta ideia de modernidade que contesta precisamente a unidade do pensamento grego e do pensamento cristão, em várias formas, que todas, porém, concordam de fato no substituir a transcendência e normatividade dos valores absolutos, o movimento intramundano de transcendência.  Voegelin mostrou com exemplar eficácia o caráter neognóstico da idéia de modernidade, como depende da secularização desta visão joaquimita da história que se substituí progressivamente o oposto da visão agostiniana; e que nos últimos séculos se tornou sem contrastes permeando de forma direta, como o modernismo, ou invertida, como o pensamento reacionário, o próprio pensamento religioso; colocou luz sobre o caráter de escolha prática que está na base daquilo que é a substância da imanentização do eschaton cristão. Não é lícito quanto menos se perguntar se hoje, em um momento que parece o cumprimento de um tão longo processo histórico, se esta escolha não manifesta o seu caráter irracional?  Pode-se perguntar, em suma, se efetivamente o desvelamento da falsa consciência não seja válida propriamente para as formas de pensamento que entendem negar a idéia dos valores permanentes, enquanto colocaria luz sobre o seu caráter ideológico, o seu ser orientado não já para a verdade, mas para a potência. O momento presente é aquele que as afirmações dependentes da idéia de modernidade se são realizadas na prática, mas dando lugar a uma série de evidentes contradições. Apesar da orientação diversa dos juízos correntes, se deve reconhecer que aquilo que hoje está em crise não é a idéia de permanência dos valores, mas exatamente o princípio oposto, aquilo que está na base da crítica da permanência; e o é não já pelas resistências anti-históricas ou moralistas, mas propriamente porque desacreditado por aquele resultado histórico ao qual confiava a sua verificação.
Augusto del Noce
Notas
[1] MARCUSE, L’uomo a una dimensione, Einaudi, Torino, 1967, p. 240.
[2] MARCUSE, Ragione e rivoluzione, 1941, p. 118.
[3] MARCUSE, op. ult. cit., p. 52.

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