GUSTAVE THIBON: FARISAÍSMO CLÁSSICO E ROMÂNTICO

"O Cristo da moeda", Anton Van Dyck, 1625. 

Gustave Thibon
Tradução: Gederson Falcometa

“Um novo homem nasceu no homem... O amanhã não se assemelhará ao hoje...”. Estas frases, que simbolizam a maravilha do otimismo democrático, foram colhidas entre mil na literatura de extrema esquerda. Cada espírito verdadeiramente cristão prova, diante de tais fórmulas, um sentimento de mal estar: vê nelas verdades divinas prostituídas, se sente diante a um novo farisaísmo. 

Existem, de fato, duas espécies de farisaísmo, dois modos de prostituir o céu a terra.

O fariseu no sentido clássico do termo, é um cristão o qual tem a alma fechada a essência do sobrenatural da sua religião. Ele pertence ao mundo, sabe como ser bem sucedido no mundo. Instintivamente materializa, edulcora e minimiza as exigências divinas. O amor e a cruz lhe são estranhos. Vê na religião apenas uma força de conservação social, coloca Deus ao serviço de uma certa forma, restrita e de todo exterior, da ordem humana. Um faustoso prelado do Grande Século, um burguês bem pensante do último século representam muito bem este tipo de humanidade. 


Mas ao lado deste tipo de farisaísmo clássico, existe um outro, mais sútil, mais íntimo e mais profundo: o farisaísmo do publicano ou, ousarei dizer, o farisaísmo romântico. Aqui o homem parece abrir-se com toda a sua alma aos preceitos sobrenaturais do Evangelho: tem sede de amor, de justiça, de uma renovação universal. Simples aparência, todavia: a máscara, embora tendo se tornado carne, permanece também sempre mentira. Estes novos fariseus traem, naturalizam o Evangelho tanto quanto os primeiros; aquilo que lhes distingue é o fato que cumpriram um ulterior passo sobre a via da decadência; não se tornaram maiormente deuses, mas são ainda menos homens. Julgo o manifestar-se do messianismo político como um sinal profundo de decrepitude coletiva. Eis os homens áridos, febricitantes, desequilibrados, já muito fracos muito dispersos para realizar em si mesmo o miserável equilíbrio do fariseu ordinário. Também eles não tem outra pátria além da terra. Mas esses estão mal equipados pela natureza de viver e dominar sobre esta terra. Por estarem descontentes de si mesmos, desejam que tudo mude. Por serem incapazes da verdadeira felicidade, tem uma sede inesgotável de felicidade: esta mistura de exasperação e de impotência das faculdades humanas é um dos principais defeitos do mundo moderno. Por serem os mais pobres de realidade, por compensação erguem o ideal mais alto; muito fracos para chegar a medida média do homem, espontaneamente miram a extrema. Assim os princípios extremos do Evangelho, do qual cada homem civilizado por o eco no seu espírito, mesmo quando não crê mais em Cristo, exercitam sobre eles uma poderosa atração: a deposição cristão dos valores humanos, muito bem se adapta em aparência aos rancores e as ambições de suas almas. Estes novos fariseus metem as verdades divinas ao serviço da desordem humana: uma natureza enferma e ávida mina nela o sobrenatural.   

O primeiro farisaísmo é aquele dos poderosos e dos satisfeitos, o segundo aquele dos impotentes e dos invejosos. O fariseu clássico rechaça o sobrenatural, o fariseu romântico o acolhe como uma justificação dos vazios irreais da sua natureza doente, recebe a mensagem de Cristo no nível da impuridade humana, no nível do seu desejo de repouso e de felicidade terrestre. Um relega ao céu os apelos do Evangelho, o outro lhe mistura a lama humana.

Mas estas duas aberrações, no fundo, se assemelham. A sua sucessão prova suficientemente a sua parentela. Ambos procedem da mesma recusa da graça, e, então, da mesma decadência da natureza. A natureza que se fecha a Deus é, de fato, já doente: a ordem e a sabedoria do fariseu clássico, são uma falsa ordem e uma falsa sabedoria. O farisaismo conservador prepara o caminho para o farisaísmo revolucionário: a idolatria clássica que aceita Deus e recusa o amor chama a idolatria romântica que pretende conservar o amor e recusar Deus. A natureza endurecida que se fecha a graça precede a natureza empodrecida que zomba da graça.

(Gustave Thibon, Ritorno al reale, Effedieffe, Milano 1998, pp. 213-215)

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