MARCELLO VENEZIANI: FALTA UMA RESPOSTA ESPIRITUAL A CONTAMINAÇÃO
Marcello Veneziani
Tradução: Gederson Falcometa
Existe
uma dieta espiritual a observar nestes dias de pesadelo e de incubação?
Não li ou escutei em nenhuma parte reflexões, conselhos, terapias que
considerassem de coração a alma das pessoas e que colocassem a questão
viral do ponto de vista “espiritual”. Palavra em desuso, intrusa, se não
extinta do nosso léxico cotidiano. No entanto, nunca como neste caso
foi tão necessária porque está em jogo a vida e a morte, a velhice e a
doença, a solidão e a solidariedade [Ndt.: Principalmente a perdição ou a
salvação], que colocam em cena a urgência de uma preparação espiritual
para os eventos e para a nossa vida. E ao invés, o máximo que temos no
âmbito interior nestes dias é matéria de psicólogos, psicanalistas e
psiquiatras. É medicada também a consciência, hospitalizada permanece a
alma.
É talvez a primeira vez que diante do contágio apareça de
todo ausente a Igreja e irrelevante a religião; em cada evidência
trágica do passado a religião cristã sempre foi o refúgio, o conforto, a
invocação e até mesmo o exorcismo para afrontar o mal ou dispor-se ao
risco mortal. Desta vez é como se fosse tivesse se retirado do mundo
para não contribuir com a difusão do vírus, como se tivesse fechado os
batentes por razões de profilaxia médica e precaução sanitária. A única
mensagem que chega da Igreja é de fato de não celebrar a Missa,
alinhar-se as disposições do governo, fechar as igrejas por
responsabilidade civil e humanitária; a sua única função comunitária é
aquela de não acrescentar risco de contaminação. E então recuar, se
auto-suspender, silenciar, enviar apenas mensagens submissas a tv. Entendamo-nos,
ninguém pensa que os sacerdotes devam substituir os médicos e confiarem
que as orações sejam melhores que confiar nas estruturas sanitárias.
Mas nunca tivemos uma ausência total de referência religiosa diante de
uma emergência de contaminação. A Igreja sempre desenvolveu um papel
primário nestas situações; e justamente a Igreja como “hospital de
campo” e “socorro humanitário” está totalmente fechada em si mesma e
inerte.
Mas a dieta espiritual a qual me referia não é só de natureza religiosa e confessional; certo, não pode eludir o papel da fé, da oração e da liturgia, mas espiritual alude a uma visão da vida, a uma relação entre os fatos e a nossa interioridade, a relação entre alma e corpo, o sentido da vida e da morte. Como se pode responder sobre o plano espiritual a esta situação? Tento focar particularmente sobre três âmbitos, três níveis espirituais de resposta.
O primeiro é não deixar-se absorver pelo contágio, não viver interiormente o pesadelo, não reduzir-se ao nível dos doentes, subtrair-se ao talk-show permanente e obsessivo entorno ao vírus. É a mensagem sincera e muito incompreendida que tentei passar na semana passada: não um estúpido descuido das precauções e das profilaxias subestimando o perigo mas respeitar as normas e as proibições, mas não vivamos dentro deste Virality show, não façamos com que se torne o pensamento dominante, como nos induz a mídia. Pensar em outra coisa, viver de outra coisa. Falemos de outra coisa por favor, e não pareça absurdo que eu o sustente em um artigo dedicado justamente ao tema; pessoalmente estou tentando ler, pensar e escrever outra coisa que não seja sempre e só o discurso sobre o vírus, não fazer o seu jogo, elevar o olhar, dedicar a própria mente e a própria atenção a outros âmbitos, compatíveis com a situação e com os limites sanitários impostos.
A segunda resposta espiritual é reativar aquelas energias e mundos que atrofiamos no atarefado decorrer dos dias. Se não se quer viver em prisão domiciliar no presente tem se a possibilidade de se abrir a outros mundos que são o passado, o futuro, o eterno e o fabuloso. Voltar a fazer as contas com a memória, a história e os seus eventos, as expectativas e os projetos, o sentido das coisas que duram. O descrevo em meu livro Dispera bene (Desesperar bem - Manual de consolação e resistência ao declínio) mas não pensava que aquelas exortações e consolações devessem se tornar repentinamente tão urgentes e necessárias. Me referia as máquinas do tempo que nos permitem de evadir da prisão do presente e entre estas, além das artes, dos mitos, dos pensamentos, da música e das recordações, me referia a oração, ao além da prática confessional, como um exercício de atenção, concentração e ligação com energias espirituais superiores; restitui um projeto consumado a vida. Preenchamos os espaços vazios ao qual nos constringe a inércia forçada destes dias, para não terminar como presa de psicoses ou de paranoias pela segregação prolongada.
O terceiro nível, mais delicado, diz respeito a nossa relação com a vida e com a morte. O eludimos a tempo, não olhamos mais a morte face a face; e ao invés disso em ocasiões como esta nos recordamos que nosso problema não é a nossa habitual fragilidade psicológica, como se repete a cada dia, mas é aceitar o nosso limite e a nossa finitude, prever o encontro sem escapar. Devemos reelaborar a relação com a morte, conseguir conceber o nosso desaparecimento, esforçar-nos para pensar que o mundo não começou e não acabará conosco, o ser excede o existir. Adquirir da desesperação uma confiança ulterior que é amor feito e abandono confiante a sorte, depois de ter feito tudo aquilo que podíamos para dispô-la para o melhor.
Não são remédios, muito menos soluções, mas pequenas e enormes momentos decisivos para olhar a realidade com outros olhos. E quem as indica não alcançou a sabedoria, muito menos a sapiência, mas está ainda imerso com vós nas contradições, medos e impaciências por aquilo que acontece. Porém, é necessário reanimar a própria vida espiritual para responder a situação, sem sucumbir ou apagar pelo tédio e pelo terror. Começai provando a pronunciar as palavras espirituais...
MV, La Verità, 10 de março de 2020
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