GIOVANNI SERVODIO: O EQUÍVOCO DA LIBERDADE RELIGIOSA
De Giovanni Servodio
[Tradução: Gederson Falcometa]
Buscaremos manter uma certa moderação ao tratar deste tema que, após a
emergência sanitária, se tornou objeto de múltiplas controvérsias, de
declarações e retratações públicas e, sobretudo, gerou mal entendidos e
consequentes equívocos.
Falamos da celebração das Santas Missas nos lugares de culto católicos,
que o Governo proibiu de fato exercitando um direito que não tem e então aplicou
uma arbitrariedade, com o agravante da manifesta inconsciência acerca das
premissas e das consequências da sua decisão.
Primeiramente clareamos um ponto importante: a proibição de fato das
celebrações das Missas diz respeito só as Missas com a participação dos fiéis,
porque o sacerdote, que é o único sujeito que pode efetuar a celebração, é
livre para fazê-lo: coisa que não poderia ser de outro modo, como demonstra a
experiência de séculos e em particular a experiência dos sacerdotes em
cativeiro. Segue-se que a continuidade do culto católico não foi afetada pela
decisão do governo e não poderia ser em qualquer caso; embora seja claro para
todos que os próprios governantes não tinham e não têm a menor consciência
disso.
Por outro lado, por sua própria natureza, a celebração da Santa Missa escapa à interferência de qualquer imposição externa, exceto em casos extremos que ocorreram dentro dos regimes políticos comunistas e / ou maçônicos. O único impedimento irremediável é determinado quando o celebrante não pode ter a "matéria" disponível para a validade do sacramento.
Então, a Missa em discussão da dita proibição diz respeito a
participação dos fiéis e não a celebração em si. E sobre este aspecto que surge
o primeiro equívoco.
Segundo a nova concepção que se instaurou na Igreja moderna a partir do
Concílio Vaticano II, a celebração da Santa Missa se daria apenas com a participação
dos fiéis, de modo que, na ausência dos fiéis, a própria celebração da Missa
desapareceria. Tal concepção, embora infundada em vários sentidos, gerou na
consciência dos fiéis, leigos e clérigos, o convencimento que a celebração da
Santa Missa seria de competência dos homens, ao ponto de que quanto mais homens
– e mulheres – presentes, mais Missa se teria.
O fato, bem real, que o único celebrante efetivo é Nosso Senhor, que se
serve do ministro consagrado, e só dele, para renovar o Seu Sacrifício sobre a
Cruz apto a realizar a redenção dos fiéis bem dispostos em tal sentido, este
fato acabou por ser relegado entre as meras teorias de especialistas do
sagrado. Hoje grande parte dos fiéis estão convencidos que sem eles não se celebra
a Missa.
Essa constatação faz nascer um primeiro problema quanto ao comportamento
dos Bispos, especialmente os italianos, realizado com o aval, embora
contraditório, de Papa Bergoglio. Se não houvesse Missa senão na presença dos fiéis,
os Bispos deveriam se insurgir indignados e reagir fortemente ante as decisões arbitrárias
do Governo, isso desde o primeiro momento. Mas isto não se verificou, com o
agravante que alguns desses, em conjunto com tantos liturgistas e teólogos, de
repente redescobriram a verdadeira concepção da Santa Missa, que eles próprios
negligenciaram e muitas vezes distorceram durante sessenta anos.
É claro que tal comportamento tem apenas uma consequência: a perda de
credibilidade dos bispos e de seu ensinamento; e isto não só para os fiéis, mas
também para os não crentes, incluindo os membros do atual governo e ainda mais
os membros da comissão técnico-científica indevidamente chamados a
pronunciar-se sobre o assunto. Esta consequência induzirá as autoridades civis
a não darem grande importância às opiniões dos bispos, senão em termos meros
"diplomáticos".
Diante desta situação, mais confusa do que nunca, muitos fiéis reagiram
de forma mais ou menos decisiva, dependendo das circunstâncias. Alguns até
recorreram ao instrumento legal, reconhecendo nas decisões do Governo toda uma
série de violações do Código e dos tratados entre o Estado e a Igreja; e pediram
ao Judiciário que investigasse, sob a ilusão de que os juízes são realmente
imparciais e acima de tudo competentes.
Ora, um dos argumentos avançados pelos ditos fiéis foi o da violação da
liberdade religiosa e, neste caso, a violação da liberdade de culto.
Esse argumento, que entre outras coisas apelava para a Constituição,
como se ela tivesse luz a oferecer sobre o culto a ser prestado a Deus e sobre
o próprio Deus, esse argumento gera outro grande mal-entendido.
Se é verdade que em termos laicos a liberdade de professar a própria
religião encontra conforto na concepção moderna estabelecida na Igreja com o
Vaticano II, segundo a qual todos devem ser livres para professar a religião
que quiser e, portanto, também nenhuma religião; É igualmente verdade que em
termos religiosos, e não apenas católicos, professar uma religião significa
estar convencido de que é a única que vale a pena professar, porque a única
verdadeira. E isso é ainda mais verdadeiro tanto para aqueles que abraçam esta
ou aquela religião do zero, quanto para aqueles que não professam nenhuma, que
em última análise nada fazem além de professar um "credo", que será o
dos descrentes, mas é sempre um credo.
Não é difícil perceber que, neste emaranhado de palavras e pensamentos, uma
coisa é evidente: falar de liberdade religiosa equivale a falar de uma
contradição manifesta. Não se pode professar "uma" religião, que para
cada um é "a" religião, exceto em termos absolutos: de modo que a
profissão da própria religião, a única verdadeira, exclui a profissão de
qualquer outra religião, que é falsa por definição. E isso porque o homem não
vive em esplêndido isolamento, mas em comunhão com os outros homens, com os
quais compartilha usos, hábitos, costumes e crenças. Do contrário, não teríamos
uma comunidade de homens, mas um caótico estar uns próximos dos outros, com os
quais não se há nada em comum.
Este conceito simples pode ser apreendido em sua concretude se olharmos
para a coexistência em uma família; impensável sem a comunhão de intenções,
comportamentos, sentimentos e propósitos.
A possível objeção de que a vida que hoje se passa na sociedade moderna seria
possível precisamente na presença de uma pluralidade de concepções, inclusive
religiosas, pode ser facilmente refutada com a simples observação de que não se
trata de uma questão de vida em comunidade, mas de uma espécie de caos de
direitos, de instâncias e comportamentos que encontram sua relativa compensação
no exercício de uma autoridade pública que por um lado alimenta as forças
centrífugas de indivíduos e grupos e por outro impõe uma normativa
comportamental uniformizadora, obrigante e mais rica de proibições do que de
concessões. Tudo isso só pode ser definido de uma maneira: tirania. O que,
partindo da concepção da liberdade, e da liberdade religiosa em particular,
leva ao seu exato oposto.
A prova prática de que se trata disto, a temos quando se pensa que a
sociedade moderna não é dirigida nem mesmo por Governos que são manifestos, mas
por uma espécie de governo mundial não manifesto, mas onipresente e altamente
condicionante: se pense no mito da liberdade que é passado adiante quando
alguém declara em palavras ou com os fatos que entende ser livre para pensar e
agir como quiser: em nome da liberdade universal, ele é condenado e forçado a
se conformar aos ditames do governo mundial invisível, que usa dos Governos
visíveis dos vários Estados.
E mesmo muitas das guerras que este governo mundial desencadeou foram
travadas em nome da liberdade: para afirmar a liberdade universal - já foi dito
- é necessário sacrificar a liberdade individual ou de grupo.
E assim o jogo
acabou: todos nós somos livres para pensar e fazer o que nos é dito que deve
ser pensado e feito.
O que foi dito até agora ajuda a compreender o verdadeiro significado do
pedido que levou tantos católicos a apelar à liberdade religiosa para defender
a celebração da Missa na presença dos fiéis. Instância legítima - diz o Governo
- mas desde que seja praticada de acordo com as regras que ditamos: primeiro a
saúde pública.
E é curioso como no nascimento da nova organização social que prevalece
no mundo hoje, existia justamente um “comitê de saúde pública” autodefinido.
Era 1793 e esta comissão, em nome da liberdade, suprimiu as Missas públicas e
de várias formas conseguiu a eliminação de um número incalculável de pessoas,
sobre as quais ainda hoje se discute um número que varia entre centenas de
milhares, até um milhão. . E desde então, ao longo de mais de dois séculos, o
fenômeno se repetiu, ainda em nome da liberdade, com a eliminação de milhões de
pessoas realizada pelos diversos totalitarismos com diferentes rótulos,
completamente comparáveis aos atuais "comitês técnico-científicos"
.
Os católicos, com um mínimo de coerência, hoje devem pedir o exercício
do dever de adorar a Deus, não em nome da liberdade, mas em nome de Deus e das
suas leis, sem as quais não se pode nem falar da humanidade, mas apenas da
animalidade e bestialidade.
Se há um fator relevante que emergiu da propagação desta epidemia, que
não é bem conhecido de onde, como e por que veio, esse fator é que os católicos
devem antes de tudo apelar a Deus, retornar em todos os aspectos a Ele, e em
nome de Deus para exigir que tudo seja feito em Seu nome; e exortar a todos à
conversão e à prática da penitência que consiste no abandono do estilo de vida
atual.
Devem finalmente pedir, depois de sessenta anos de uma Igreja
comprometida com o mundo, um retorno à verdadeira Igreja que prega e pratica a
rejeição do mundo e a rejeição das obras e sugestões do diabo.
Devem pedir a submissão do poder temporal à autoridade espiritual.
Eles devem pedir a
remoção da Igreja de Cristo de todos os falsos clérigos que juraram servir ao
Adversário, que se enfurece com a cobertura de todos os tipos de rotulagem.
E se isso lhes parece um empreendimento humanamente impossível, os católicos
devem se confiar à onipotência de Deus, orando a ele e implorando-lhe que
providencie o mais rápido possível, de acordo com seus planos divinos, a sua
libertação e a libertação do mundo.
Então as palavras divinas de Nosso Senhor Jesus Cristo serão traduzidas
em prática:
“Se permanecerdes
fiéis à minha palavra, sereis verdadeiramente meus discípulos; conhecerá a
verdade e a verdade o libertará ”(Jo. VIII, 31-32).
Outros textos sobre a liberdade religiosa:
DON CURZIO NITOGLIA: A LIBERDADE RELIGIOSA E A TRADIÇÃO APOSTÓLICA
P. CURZIO NITOGLIA: A CONSTITUIÇÃO CRISTÃ DOS ESTADOS E A LIBERDADE RELIGIOSA
DISPUTATIONES THEOLOGICAE: O ESQUEMA PREPARATÓRIO SOBRE A LIBERDADE RELIGIOSA
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